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D. Afonso VI: um reinado decisivo na consolidação da Restauração da Independência (I)

Viagens ao reino de Clio

D. Afonso VI sucedeu a D. João IV no trono de Portugal. O novo rei foi coroado numa cerimónia solene realizada no Terreiro do Paço, em Lisboa, no dia 15 de novembro de 1657.
A coroação do monarca não é bem recebida nalguns setores da sociedade portuguesa. Alguns membros do Conselho não queriam que fosse coroado pois consideravam que a paralisia de que sofria incapacitava-o também mentalmente para a difícil tarefa da governação. O novo reinado começa assim com maus auspícios, pois, aos perigos externos, como a pressão militar que Castela continuava a exercer, juntaram-se problemas internos, como a falta de confiança nas capacidades governativas do novo rei. Na realidade, este soberano dedica-se a correr as ruas à noite, à frente de bandos de marginais que partem vidros das janelas e assustam as pessoas. Dá-se com gente arruaceira e aprecia as suas travessuras. A rainha regente, D. Luísa de Gusmão, que governava em vez de D. Afonso VI, mandou então prender alguns dos marginais que rodeavam o rei e exilá-los para o Brasil. Este episódio acabou por colocar o rei contra a rainha, o que motivou a mudança dos governantes do país. Doravante, D. Afonso VI passou a ser, de facto, quem mandava e rodeou-se da maior parte da nobreza, como o conde de Castelo Melhor, D. Luís de Vasconcelos e Sousa, e o conde de Atouguia. Embora seja considerado incapaz de governar, D. Afonso VI foi aceite pelo povo pois rei é rei e a ele se deve obediência. No dia 29 de junho de 1662 recebeu, em cerimónia solene, os selos nacionais, símbolos da governação.
Assumindo, na prática, o poder, o conde de Castelo Melhor, D. Luís de Vasconcelos e Sousa, escreveu ao marquês de Sande, embaixador português na cidade de Londres, uma carta com o seguinte teor:
“Em resposta às cartas de V. Exª sobre desuniões neste Reino direi eu a V. Exª a verdade dela. Primeiramente a Rainha se não quer meter no governo, antes está em prosseguir os intentos que sempre teve de se recolher e fazer uma fundação de religiosas recoletas e cuido que a destina na quinta de V. Exª. El-Rei a vê todos os dias infalivelmente, uma vez pelo menos e ordinariamente duas: e assim nesta parte não têm os castelhanos que dizer de falta de amizade nem de respeito. O Senhor infante D. Pedro está tão unido com El-Rei, que deixando sua casa vem jantar aos mais dos domingos e dias Santos com ele e vem dormir ao quarto de El-Rei muitas vezes e nunca El-Rei sai fora sem ele e passa a amizade a uma estreiteza de conformidade muito notável. Entre os fidalgos da Corte não há bando que se oponha um ao outro; todos conformes obedecem às ordens dadas, todos as ajudam e não sei que haja algum que se não fale e converse com outro, coisa que raramente se deixa de ver onde há muitos. Não vejo assim em que consiste a desunião, porque amar cada um mais a quem melhor lhe parece, é natural.”
Em 1665, foi feito o acordo de casamento entre D. Afonso VI e D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, filha do Duque de Nemnours, da Casa Real de França. Tentava-se assim fortalecer a posição portuguesa face a Castela. O rei casou no dia 2 de agosto de 1666 mas a cerimónia tornou-se caricata. A noiva chegou a Lisboa numa armada francesa comandada pelo marquês de Ruvigni. Depois das cortesias cerimoniais, os noivos dirigiram-se para o palácio de Alcântara, parando na Igreja das Flamengas, onde o capelão-mor deu a bênção nupcial. No palácio, o rei ceou nos seus aposentos e recusou-se a aparecer na boda, onde apenas compareceu a rainha.
O padre António Vieira, célebre homem da igreja, viveu durante o reinado de D. Afonso VI. Teve vários problemas com a Inquisição que o sentenciou com “privação de pregar e a de voz ativa e a de voz passiva, com reclusão, por tempo indeterminado, em uma Casa da Ordem” mas também nos deixou textos muito importantes, como esta descrição de Lisboa em meados do Século XVII “ Eu tenho visto a maior parte da Cristandade da Europa e em nenhuma, entrando também nesta conta a mesma Roma, está o culto divino exterior tão subido de ponto e cada dia mais. Que igreja há nesta multidão de tantas, num dia de festa, que se não pareça com a que viu descer do céu S. João? O ouro e os brocados, de que se vestem as paredes, são objeto vulgar da vista: a harmonia das cores, suspensão e elevação dos ouvidos: o âmbar e almíscar e as outras espécies aromáticas que vaporam nas caçoilas, até pelas ruas rescendem muito ao longe e convocam pelo olfacto o concurso.”

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