Coisas de futebóis numa espécie de diário caseiro

Acabou há tempos o futebol. Já foi encontrado o vencedor do campeonato. E bem vencedor. Viva o futebol. Viva o campeão nacional.

Veio de novo o futebol. Há um campeão a definir. Viva o futebol. E Portugal continua atrás da bola. E talvez mais do que no futebol terminado. O caseiro. Porque há outro futebol a ser e um campeão a haver. O europeu2024 do Euro do mesmo ano. E Portugal está aí. Um aí que é todo o lado, todo o lugar onde houver um português ou um admirador do ídolo da bola nascido no meio do Atlântico, como um deus protector dos exércitos ganhadores e vencedor dos monstros marinhos.

Junho é um mês fantástico. Mês do início do Verão que faz pensar em férias. Mês de feriados e de Santos Populares. Mês do Dia de Portugal e de Camões e das Comunidades. E, no corrente ano, mês da primeira fase do Campeonato Europeu de Futebol, o «Europeu 2024». E Portugal está lá, esperando ultrapassar a fase de grupos em que joga, no Grupo F, com a Chéquia, dia 18, a Turquia, dia 22, e a Geórgia, dia 26, respectivamente em Leipzig, cidade de músicos como Robert Schumann, Gustav Mahler, Richard Wagner e de filósofos como Leibniz; Dortmund, cidade de futebolistas; e Gelsenkirchen, cujo estádio, segundo se diz, é um dos estádios mais inovadores e que muitos consideram um dos melhores do mundo.

Realizado na Alemanha, onde há tantos emigrantes portugueses, não faltará apoio a Portugal nestes primeiros três jogos e noutros que vierem. Os mais entusiastas não deixarão de esperar que a equipa portuguesa chegue à final a realizar a 14 de Julho às 20h00 em Berlim. Porque, dizem os entendidos e entusiastas – e são tantos que mediaticamente nos têm empurrado para a esperança -, que nunca Portugal teve uma equipa tão completa como a deste ano. E alguns chegam a dizer – assim ouvi – que a equipa portuguesa é, neste momento, a melhor do mundo e, consequentemente, a melhor das que se apresentam neste «Euro2024». Todos nós, portugueses, gostaríamos, mas também há quem diga que dificilmente se repetirá o que aconteceu em Paris em 2016 em que Portugal venceu a França com um golo solitário que lhe valeu o título de campeão europeu por 4 anos.

Todo o português, lusitano que é, gosta de futebol e anseia pelo joguinho da sua equipa, nacional ou não, mesmo que, para tal, haja que atabalhoar o expediente no serviço. E esta espécie de epidemia chega mesmo aos locais ou serviços dos poderes da nação. Quem não se lembra daquela vez em que trinta deputados de S. Bento resolveram apresentar, para justificarem as faltas, uma ida a Sevilha a assistir à final da taça UEFA a convite do Futebol Clube do Porto? E o caso deu polémica, lá dentro, na Assembleia da República, e, cá fora, a situação criou ondas de indignação pública.

Nada percebo de futebol, mas dou por mim a falar de futebol. Escrever, quero eu dizer. Portugal inteiro estará virado para o futebol e eu, se não trouxesse o futebol à escrita, não teria alma de português ou não seria português de corpo inteiro. E eu sou e quero ser português inteirinho, inclusive nas letras com que se escreve «Campeão2024».

Vamos, então, ao futebol de sofá. Vamos, que já foram realizados os jogos de treino como aquele Portugal-Finlândia, realizado a 4 de Junho no Estádio de Alvalade. Embora tenhamos alcançado uma vitória por 4-2, não foi um jogo que tenha agradado e os entendidos dizem que a equipa ainda tem muito a melhorar.

No segundo jogo de treino, realizado a 8 do mesmo mês, o resultado ainda foi pior e Portugal perdeu por 1-2 com a Croácia. A experiência não foi bonita, nem no resultado nem no jogo que Portugal realizou e ouvi e li, aqui e ali, que ainda bem que este jogo com a Croácia foi só «a brincar». Talvez esta derrota em jogo «a brincar» num treino a sério possa ter efeitos positivos. Um «balde de água fria» para travar os ânimos entusiásticos que se instalaram e para acordar a equipa portuguesa que, no terceiro jogo de treino, não sofreu golos e venceu por 3-0 a Irlanda. Foi vitória folgada com golos de belo efeito, mas, mesmo assim, não serviu para se poderem ignorar fragilidades. Portugal não agradou de todo, mas ganhou. E isso é o que fica na história, dizem os contadores de histórias.

Entretanto o campeonato começou com um jogo entre a Alemanha e a Escócia. E vejo que a loucura futebolística não é só portuguesa. Os meios de comunicação social noticiaram que o pai de um adolescente escocês de 12 anos informou a escola de que o filho iria faltar às aulas por tempo indeterminado e só voltaria a apresentar-se quando a selecção escocesa tiver sido afastada do Euro2024. Mais, informa o pai a escola de que o filho o irá acompanhar em viagem pedagógica a várias cidades da Alemanha e que o filho, na devida altura, entregará na escola um relatório circunstanciado da viagem. A Escócia perdeu por 5-1 o jogo inaugural do campeonato. Não sei imaginar como se terá sentido aquele adolescente. Isso já os média não disseram. Ou eu nada encontrei. Fico a aguardar notícias sobre o seu relatório pedagógico.

E Portugal? Bem, a partir de agora é jogar a sério. E o a sério começa hoje. Às 20h00. É a hora de Portugal parar. A equipa voou e foi recebida em Marienfeld, na Alemanha, com vivas e gritos por entusiastas agarrados a uma rede de arame como feras prontas a saltar na esperança de um rabisco – autógrafo, quero dizer – numa bandeira ou num papel improvisado para o efeito. Depois viajou para Leipzig, a tal cidade de grandes músicos, onde Portugal vai realizar o primeiro jogo. É com a Chéquia.

«Força Portugal», ouve-se por toda a terra lusitana e por outras onde Portugal deixou raízes. Algumas bem longe lá para as Américas e para a longínqua Ásia do extremo. É o mundo português na força da esperança já que entusiasmo expectante não falta. Todo um mundo a saltar de emoção, não tanto pela dança dos movimentos num relvado, mas principalmente pela ânsia da vitória, porque de vitória em vitória se faz a vitória final.

São horas. Acomodo-me no sofá. As equipas já entraram, já se cumprimentaram, os capitães já trocaram de galhardetes, o campo foi sorteado e a equipa dos árbitros também já foi cumprimentada. Os jogadores ocupam os seus lugares como soldados para a batalha. e a bola ocupa o centro do campo. O jogo vai começar. O relvado está perfeito e estarão nas bancadas – dizem – cerca de quinze mil portugueses. O árbitro consulta o relógio. Apitou. A bola é portuguesa. Começa o jogo. E a gritaria eleva mais a voz. E as bandeiras agitam-se mais e as cores ganham mais força. Força Portugal, ouço Portugal inteiro a gritar. E rapidamente o tempo passou. O intervalo chegou depressa demais. Portugal dominou, mas não marcou. Zero a zero é o resultado do meio tempo.

O intervalo passou, a partida recomeçou e a Chéquia marcou. Uns minutos depois, em momentos de pouca lucidez, Portugal empatou com um brinde de um jogador adversário. E, quase a expirar o tempo, aproveitando bem um erro clamoroso de um checo, um jovem português, mal entrado no campo, fez entrar a bola na baliza. E a multidão estonteou. E, embora sofridamente e sem encanto, Portugal ganhou. Por 2-1 foi a vitória. A «Bola de Berlim» adoçou um pouco, mas o jogo português não chegou a convencer.

Quando esta crónica mal engendrada chegar ao leitor, o ritual entusiástico dos portugueses já se terá cumprido mais duas vezes. A 22 e a 26 deste mês de Santos Populares. E Portugal terá voltado a ficar em suspenso de uma bola a rolar noutros relvados de outras cidades. Até lá, ficam em campo mediático analistas e comentadores. Boa sorte, Portugal. Mas não se espere que sejam sempre os outros a abrir as portas à reinação.

Guarda, 18 de Junho de 2024

António Salvado Morgado

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