Quase me atrevo a afirmar que as capeias devem ser uma das manifestações mais genuinamente populares existentes no nosso país, não falando da tourada à corda nos Açores. É por isso que têm sempre um enorme sucesso nas nossas aldeias raianas.
A capeia raiana é um divertimento aberto a todos, grande e pequenos, velhos e novos. Não há bilheteira, mas todos contribuem para que a festa seja continuada. Os touros não são lidados por profissionais, como na tourada à antiga portuguesa, mas pelos populares da própria aldeia, tendo o forcão como principal instrumento, manipulado por mais de duas dezenas de jovens destemidos, dispostos a enfrentar, quase cara a cara, as arremetidas do boi, a quem é necessário guardar o maior respeito mas também fazer-lhe frente com valentia e audácia, já que as arremetidas mal calculadas não estão livres de terem consequências desagradáveis.
Vale de Espinho e outras aldeias raianas assistem em peso a estas manifestações genuínas e os mais ousados saltam à arena, quer empunhando valentemente o forcão, quer provocando o touro convidando-o a atacar, fintando-o, obrigando-o a correr até ao limite de lhe poder dar uma escornada que a todos arrepia, esperando que se termine sempre num momento feliz.
Todos os anos se revelam novos valores com espírito astuto e vigoroso nas lides das capeias, e que vêm à nossa aldeia unicamente para mostrarem as suas habilidades na arena, mas sempre com olho fino e pé ligeiro.
É este espírito comunitário que nos dá alegria de pertencer a uma aldeia, como Vale de Espinho, que tem orgulho em perpetuar as suas tradições. Alguns, como eu, vêm apenas para participar na caminhada, na procissão das velas, na festa de Nossa Senhora de Fátima e do Emigrante e na capeia.
Vir à aldeia nesta época e ter ocasião de participar nestes eventos comunitários é uma lufada de ar fresco e uma verdadeira ocasião para carregar as baterias e regressar para os nossos lugares de residência com recordações e imagens que nos dão orgulho de pertencer a terras que, mesmo na sua tranquilidade e progressivo abandono, nos dão ainda mais motivos de ali voltarmos.
Também eu não posso faltar a estas tradições e participar na medida do possível. Além da capeia, encanta-me a festa religiosa. Todos os santos dos três altares da nossa igreja paroquial saem em procissão pelas ruas da aldeia, em cima de andores enfeitados por mãos delicadas e femininas que causam a admiração dos numerosos participantes. Não há nenhum andor ornado da mesma maneira, nem com a mesma cor. Estão sempre de parabéns estas senhoras, bem conhecedoras da arte floral que sempre nos encanta.
Evidentemente, que a mais bem ornada é o andor da Senhora de Fátima. Mas a Senhora do Rosário não lhe fica atrás. Pobre Santa Maria Madalena, ao orago da nossa igreja, uma figura importante do cristianismo, quase designada como apóstolo pelo papel que desempenhou ao longo da sua vida, acompanhando jesus Cristo, e no anúncio da sua ressurreição, não lhe é celebrada festa. Literalmente, tem sido esquecida! A Senhora de Fátima e a Senhora do Rosário passaram-lhe à frente. Preside apenas ao altar-mor.
Os tempos mudam e o povo também se adaptou.
Joaquim Tenreira Martins