As fronteiras territoriais e as fronteiras mentais: quais os limites?
Caro(a) leitor (a) este mês trago à liça o conceito de fronteira.
Na sociedade portuguesa foi interiorizado com tal intensidade, que durante muitos séculos, era uma palavra quase mítica para a maioria dos portugueses.
Era sinónimo de quase intransponibilidade física (só os mais ricos/aventureiros/intelectuais viajavam e passavam a fronteira) ou então, os camponeses que não tinham emprego ou modo de sobrevivência para si e família iam “a salto” para outros países correndo riscos indescritíveis.
Sabemos que as fronteiras territoriais sempre existiram e continuarão a existir, pois estabelecem um limite entre dois ou mais países, entre partes distintas, entre organizações, entre municipios e localidades, ou quiçá, os limites de ar e de água, que se traduzem nas fronteiras áereas, fluviais e marítimas.
Também sabemos que as fronteiras são delimitações territoriais que representam a autonomia de um Estado perante os demais e que têm uma enorme força jurídica e política.
Mas o conceito de fronteira pode ser muito mais do que uma mera divisão entre locais, ou entre pontos de referência imaginários que determinam um limite físico de qualquer coisa, na medida em que o conceito de fronteira pode transcender o tangível.
Todos criamos fronteiras intuitivas e epidérmicas, que podem revelar-se como um bloqueio a uma maior abertura de espírito perante o desconhecido, perante o insólito, perante o que é diferente, perante o que sai do que consideramos como a “norma”.
Assim, gostaria que os(as) leitores(as) pensassem no conceito de “fronteira mental” que mais ou menos todos sentimos, uma espécie de reserva mental: exemplos disso podem ser as fronteiras entre as diferentes classes sociais que fomos interiorizando à medida que tomavamos consciência de nós próprios, as fronteiras entre o bem e o mal, as fronteiras entre o que se deve ou não deve fazer ou dizer numa situação específica, etc,etc.
Digamos então que a questão que serviu de mote a esta reflexão sociológica pretende ir um pouco mais longe, pois as fronteiras territoriais – são de certa forma palpáveis – ao invès das fronteiras “mentais” e “virtuais” que são ilimitadas.
No mundo atual a tecnologia ao avançar vertiginosamente, permite a existência de um número infindável de plataformas físicas e virtuais, onde todos podemos procurar/guardar/pesquisar essa “realidade sem fronteiras” onde colocamos os nossos trabalhos (existem mesmo as chamadas nuvens virtuais) onde acedemos a múltiplas aplicações informáticas, que disponibilizam (algumas gratuitamente) um número infindável de aplicações “sem fronteiras” que permitem o acesso a informação útil para todas as atividades humanas (internet e intranet, redes sociais, etc.).
Chegados aqui, podemos formular a seguinte questão – então foi o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação que fez avançar a humanidade?
Segundo o sociólogo espanhol, Manuel Castells, o que realmente mudou foi o alargamento da nossa cidadania, pois quer queiramos quer não, estamos todos em rede, estamos inseridos numa enorme rede global, logo, todos possuimos uma cidadania tendencialmente mais abrangente, à medida que esses processos de informatização/modernização se vão disseminando pelos cinco continentes.
Confesso-me rendida a esta explicação, pois a chamada “revolução tecnológica” teve e continuará a ter um enorme contributo para o avanço da humanidade, na medida em que permitiu a ultrapassagem das “fronteiras territoriais” e das “fronteiras mentais” que ao longo de séculos fomos construindo.
No fundo transformou em universal, muitos dos saberes que até há uns anos atrás estavam circunscritos a um número reduzido de pessoas, a uma elite, e, consequentemente, possibilitou a sua divulgação a uma escala universal, indissociável justamente, do avanço das tecnologias e das redes de informação.
Isto significa que mais do que nunca, devemos estar recetivos a tudo o que contribua para a diminuição das “fronteiras mentais”, pois ao ficarmos alheios aos avanços tecnológicos que contribuiem para a divulgação/disseminação da informação, fechar-nos-iamos, inevitavelmente, numa espécie de “ghetto”.
O ideal será então a progressiva diminuição/diluição das “fronteiras mentais” para que haja uma verdadeira abertura de espírito, que seja apanágio de uma nova práxis social, que no caso particular das mulheres e homens portugueses, independentemente das suas origens sociais, étnicas ou religiosas, sintam cada vez menos “fronteiras mentais” e consequentemente, mais conhecimento a partilhar.
Lucinda Coutinho Duarte (Socióloga)