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AS ELEIÇÕES

Pontos de Vista

1 – O Povo “falou”! E disse coisas importantes.
Embora tenha dado a vitória à coligação do PSD e do CDS, retirou-lhe a maioria absoluta na Assembleia da República. Ou seja, passou a haver uma maioria parlamentar de esquerda. O problema está em saber se a “esquerda”, constituída pela CDU, pelo BE e pelo PS, é compatível com um programa de acção unitário e com uma agenda disciplinada. Até hoje nunca o foi. Por outras palavras: creio não errar ao dizer que passou a haver uma maioria de esquerda numérica mas não política.
A grande notícia não esteve propriamente na perda de algumas centenas de milhares de votos por parte da coligação PàF em relação aos resultados eleitorais dos Partidos que a constituem em 2011. O principal acontecimento está na resposta à questão de saber como foi possível que o PS não tivesse sabido ou podido captar o enorme voto de descontentamento resultante de quatro anos de governação impopular, marcada por uma grande austeridade. Por outras palavras: como foi possível que, num País espremido por um aumento colossal de impostos, de dramática precariedade e impiedosa austeridade, o PS não tivesse capitalizado o voto de descontentamento, tendo permitido que o mesmo viesse a transferir-se fundamentalmente para o BE, a grande surpresa da noite eleitoral?!

2 – Vejamos aquelas que, em meu entender, foram as principais razões desse fenómeno. Em primeiro lugar, os erros da estratégia e a má campanha por parte do Partido Socialista.
Quanto à estratégia, a mesma incorreu, a meu ver, nos seguintes vícios de base: uma sobrevalorização do “desgraçadismo”, na sugestiva expressão de João Miguel Tavares, e uma deriva em ziguezague, com um claro pendor esquerdizante.
Penso que o PS insistiu demasiadamente na tecla da austeridade. Não que esta não tivesse sido real e que muitos dos votantes na coligação não a tenham sentido na pele tendo, por causa dela, ficado zangados com o governo. Só que essa austeridade foi sentida como inevitável por uma grande parte dos votantes. A herança recebida pelo governo PSD/CDS do governo de Sócrates a isso obrigou! Ao bater tão insistentemente nos malefícios da política “além da troika” do governo, o PS cometeu um erro que lhe custou caro. Desagradou ao centro, à classe média que ainda existe, escondendo as culpas próprias. Por isso sofreu um voto de “castigo”. Não tanto por causa da situação processual de Sócrates – assunto que Costa geriu bem e que não foi tema de campanha – mas em consequência do legado da governação despesista e irresponsável do governo dele. Além disso, esqueceu que a situação económica do país melhorou nos últimos seis meses, que o garrote sobre parte da população foi aliviado, que novas e mais risonhas expectativas surgiram num dia-a-dia que, no entanto, continua cinzento.
Por outro lado, o líder do PS esquerdizou o seu discurso, numa tentativa de agradar e, assim, tentar captar o voto útil do eleitorado de esquerda. Nada mais errado. Acompanhou proclamações muito radicais contra a direita com um discurso extra suave nos frente-a-frente com os líderes da CDU e do BE. Só lhe faltou pedir-lhes desculpa e elogiar a sua acção em prol dos trabalhadores. Grave erro! Dessa forma, não só não conseguiu captar votos à esquerda, como perdeu votos ao centro. Recorde-se aquele incompreensível “tiro no pé” de António Costa quando, sponte sua, em plena campanha, manifestou a intenção de chumbar o projecto de orçamento que viesse a ser apresentado por um governo da coligação de direita. Como entender um tal compromisso a não ser como um apelo a uma “maioria negativa” com a CDU e o BE? O eleitorado adepto da estabilidade fugiu do campo do PS, até porque, num contraste flagrante, Passos Coelho apelava ao diálogo e ao entendimento com Costa, defensor, como ele, de uma política dentro da União Europeia e do euro. Neste contexto, não é difícil entender que o grande beneficiário de uma tal estratégia tenha sido o BE. Na verdade, com uma campanha inteligente, protagonizada por uma Catarina Martins, que adaptou o seu discurso, no fundo e na forma, evitando falar na “troika” e adoçando o tom das palavras, ao mesmo tempo que valorizava a suavidade da presença, o BE, com a complacência de uma comunicação social simpática e receptiva e da própria coligação, a quem não interessava reduzir as expectativas eleitorais do Bloco, subiu exponencialmente a sua votação, captando o voto de descontentamento, em prejuízo do PS de cuja inabilidade se aproveitou.
Mas os erros do PS na campanha multiplicaram-se numa sucessão difícil de entender. Desde a trapalhada dos cartazes até ao inenarrável almoço na cervejaria da “Trindade”, com a incrível intervenção de Carlos do Carmo (quem terá tido a ideia de convidar o fadista, tido, aliás, como simpatizante do PCP, para falar no último dia de campanha?), os erros foram-se somando em catadupa. É um facto que Costa se confrontou com diversas dificuldades, desde as sequelas da sua ascensão ao posto de secretário-geral do PS, num enfrentamento com António José Seguro que deixou cicatrizes no tecido partidário, até à situação processual José Sócrates.
Mas – que diabo! -, esperava-se mais e melhor de um político experimentado e inteligente como António Costa… Penso que, em vez de radicalizar o seu discurso, o líder do PS deveria ter explicado o seu estruturado programa de governo, elaborado com a colaboração de uma equipa de economistas moderados e credíveis e contrapondo esse documento à ausência de um programa por parte da coligação

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3 – E agora, como vai ser?
Na própria noite do apuramento eleitoral, CDU e BE anunciaram que rejeitarão na AR o novo governo saído da coligação, dando voz à vontade de uma “maioria negativa”. Lamentável a intervenção do comunista Francisco Lopes, de teor ultrapassado, pela brusquidão e intolerância pouco conformes com o respeito cívico pelas opções alheias. Segundo a CDU, a coligação vencedora perdeu legitimidade para governar, uma vez que deixou de ter a maioria parlamentar. Termos em que remeteu para o Presidente da República o odioso da indigitação de um governo de direita.
No seu discurso de aceitação dos resultados, António Costa não repetiu a declaração de que não viabilizaria a passagem do orçamento do “governo de direita”. Referiu a necessidade óbvia de uma mudança de política, mas recusou contribuir para maiorias negativas. Se bem o interpretei, António Costa afirmou que o PS não seria factor de instabilidade, revelando-se disposto a negociar com a coligação.
Como me parece evidente, o Presidente da República vai convidar Passos Coelho para formar governo. Outra qualquer solução traduzir-se-ia em tentar “transformar uma derrota nas urnas numa vitória na secretaria”. Será por certo respeitada a máxima: “quem ganha, governa”. Só assim não será se, de acordo com os princípios constitucionais, o governo ou o seu orçamento não passarem na AR.
Outra coisa diferente é a constatação da fragilidade de um governo minoritário, obrigado a negociar e a aceitar o que, com maioria absoluta, poderia recusar.
A questão de saber quais as perspectivas futuras de António Costa enquanto líder do PS ficará para uma próxima oportunidade.

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