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As eleições que podem mudar o mundoJosé

Augusto Garcia Marques – Juiz Conselheiro do STJ (Jubilado)

Os resultados das eleições europeias causaram em França um autêntico tsunami político. Pelos resultados em si e também pela precipitação do Presidente Macron. É inevitável associar este gesto inesperado e irracional de Macron à decisão, que, num momento de falta de lucidez, levou o então primeiro-ministro inglês David Cameron a convocar um referendo sobre o Brexit, talvez sem prever, a resposta do povo do Reino Unido, favorável à saída da União Europeia. Reconheça-se que, no caso do Brexit, até se podia razoavelmente admitir que os cidadãos britânicos, chamados ao referendo, iriam votar maioritariamente pela permanência na U.E., apesar da campanha favorável ao abandono, repleta de mentiras, repetidas por Boris Johnson ou por esse ambicioso desacreditado e mitómano militante, de seu nome Nigel Farage. Nesse aspeto, a decisão de Macron é ainda mais incompreensível do que foi a de David Cameron, já que os resultados das europeias, ganhas, confortavelmente, em França, pelo Rassemblement National (R.N.) de Marine Le Pen, não deixavam margem razoável para poder esperar-se, nas eleições gerais marcadas para este e para o próximo fim de semana, um qualquer resultado aceitável para as forças centristas, onde se situa o partido macronista.
Numa breve alocução ao princípio da noite, o Presidente da República francês reconheceu a severa derrota da maioria nas eleições europeias: 14,6% de votos contra mais do dobro para o RN de Jordan Bardella e Marine Le Pen, com 31,4%. Acresce que ocorreu um volte-face de Macron que tinha afirmado que não tiraria nenhuma lição nacional do escrutínio. Pelo contrário, apressou-se a convocar eleições legislativas antecipadas um mês antes da realização dos Jogos Olímpicos de Paris. Pondo assim em jogo o seu “crédito“, o chefe de Estado tem a ilusão de conseguir re-legitimar-se. Corre, porém, o sério risco de ser de novo derrotado nas urnas e obrigado a coabitar com um partido que ele tinha jurado fazer recuar.
Claro que, perante a oferta caída do Céu como presente inesperado, as esquerdas (todas as esquerdas, desde o Partido Socialista até à “France Insoumise”, de Jean-Luc Mélenchon, e ao Partido Comunista) se uniram numa Frente Popular. Assim se constituíram três blocos: a União Nacional (R.N.), de direita radical, a Frente Popular, das esquerdas, e o partido de Macron.
As sondagens, à data em que escrevo estas linhas, dia 28 de junho, colocam à frente o R.N., liderado por Jordan Bardella, com 36%; em segundo lugar está a coligação de esquerda, com 27% e, finalmente, em terceiro, encontra-se a coligação de Macron, agora sob a designação de “Juntos”, com 20%. Qual a estratégia de Macron, se é que tem alguma? Diz-se que quer dar à extrema-direita a possibilidade de governar (com ele, como Presidente da República) e tempo para demonstrar, num exercício efetivo mas perigosíssimo do poder, a sua vacuidade e ineficácia. O que permitiria colher a prova necessária para afastar da lista de adversários para as presidenciais de 2027 Marine Le Pen e a sua direita radical. A ser assim, trata-se, no mínimo, da assunção de um risco enorme, sujeito a falhar rotundamente, o que levaria ao fim da carreira política de Macron e à vitória, num País da importância da França, do Rassemblement National e da sua líder. Acresce que Marion Maréchal, sobrinha de Marine, dissidiu do partido do ultra-direitista Éric Zeimmour, fez as pazes com a tia e juntou-se ao R.N. Por outro lado, Éric Ciotti, o líder dos Républicains, reduzidos a uma ínfima expressão numérica e com perspetivas de não ultrapassarem 6% nas próximas eleições de domingo, decidiu, à revelia dos dirigentes e militantes do Partido, coligar-se com a extrema-direita de Le Pen/Bardella. Gesto que muitos republicanos viram como uma traição à memória do partido gaulista pelo que não acatarão a decisão de Ciotti, votando como independentes ao lado dos que seguirão a obediência da hierarquia. Em suma, estamos perante uma confusão monumental cuja conclusão representa um enigma e um mistério.
Vale a pena, entretanto, sublinhar que dois dos candidatos que vão liderar as forças em compita estão muito próximos ainda dos trinta anos: o atual 1º ministro, Gabriel Attal, com pouco mais dessa idade, e o líder de jure do R.N. Jordan Bardella, com 28 ou 29 anos. Não é necessariamente um mal mas é provavelmente uma debilidade na complicadíssima situação que se vive, a requerer experiência e endurance.
É quase desnecessário acentuar o pesadelo que pode resultar para a União Europeia da mudança política que se prevê para França. Para já, Marine Le Pen, cheia de confiança, veio anunciar que o Presidente Macron, com um governo do seu RN, passará a ter um papel de certo modo decorativo em relação à guerra da Ucrânia. E anunciou uma inflexão por parte da França quanto à intervenção nesse grave conflito armado. Disse que não proporcionará ajuda à Ucrânia para a obtenção de armas com alcance a longas distâncias, uma vez que a sua utilização permitiria atingir a Rússia em profundidade e iria levar Putin a considerar a França um País co-beligerante. Recusou igualmente qualquer apoio em meios humanos no terreno, ao contrário do admitido por Macron.
Passando ao Reino Unido, as eleições que vão ser realizadas na próxima 5ª feira estão longe de apresentarem o dramatismo e a importância das eleições francesas. Na verdade, o resultado é inevitável: uma pesada, diria mesmo, uma devastadora derrota dos Conservadores, às mãos do Partido Trabalhista. Pesada e merecida! Os erros de governação dos “tories” sucederam-se. Desde que David Cameron, ao convocar o referendo que deu a vitória ao BREXIT, provocando um grave desaire ao (seu) partido, que este vem acumulando erros e passos em falso. Na verdade, o imprevisível e insensato Boris Johnson prosseguiu a obra de demolição interna. Seguiu-se o cometa Liz Truss e, por fim, o atual líder Rishi Sunak. Entretanto, o Labour tratou de se organizar. Começou por afastar o líder e radical esquerdista Jeremy Corbyn, que não reunia condições para ganhar a simpatia dos britânicos e, portanto, para vencer eleições nacionais. Escolheram um novo líder previsível e sensato, respeitado como advogado de direitos humanos. Moderado, equilibrado, com uma vida familiar e social normal para os cânones tradicionais, Keir Starmer é um social democrata que não assusta o eleitorado e prepara-se para aplicar uma histórica e merecida “sova eleitoral” aos conservadores. Nada que preocupe ou perturbe o futuro da União Europeia (de que o Reino Unido, aliás, já não faz parte, desde que tomou a decisão de a abandonar). Afinal, apenas se trata da normal rotação entre conservadores e trabalhistas.
Grave, muito grave mesmo, será o resultado que as eleições norte-americanas, lá para novembro, poderão proporcionar. O debate realizado entre o Presidente Joe Biden e o candidato Donald Trump foi doloroso para quem a ele assistiu. Do lado de Trump, não houve novidades: mentiras em catadupa, uma moralidade inqualificável, um egoísmo atroz… Do lado de Biden, avultou a meia-surpresa de ver a atuação de um velhinho frágil, física e mentalmente, alguém que já não poderá mais ir buscar ao passado as forças e a inspiração que lhe permitam suportar o peso de mais uma presidência. Estamos, ao que parece, a precisar de alguns heróis ou santos que nos valham e ao Mundo!
Lisboa, 29 de junho de 2024

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