Pontos de Vista
Os atentados de Bruxelas no dia 22 de Março, no aeroporto de Zaventem, primeiro, e, uma hora depois, na estação de metro de Maelbeek, voltaram a trazer à ribalta o tema do terrorismo reivindicado pelo auto denominado Estado Islâmico (EI, também designado por DAESH). Desta vez, o alvo foi o “coração da Europa”, a capital política da União Europeia (UE). Estes novos atentados ocorreram quatro dias depois da detenção, no problemático bairro de Molenbeek, de Salah Abdeslam, o suspeito que sobreviveu aos atentados de 13 de Novembro, em Paris, tendo-se admitido como provável que a sua prática tenha sido antecipada pelo receio de que Salah pudesse pôr as autoridades policiais na pista de outros jihadistas.
O cortejo do horror prossegue. Depois de Madrid (11 de Março de 2004), de Londres (7 de Julho de 2005) e de Paris (ao Charlie Hebdo e à mercearia kosher, em Janeiro de 2015, e ao Bataclan, às esplanadas e demais alvos, em Novembro de 2015), chegou agora a vez de Bruxelas sofrer a marca do terror. Vítimas inocentes, atentados cegos, vão continuando a interpelar o mundo ocidental, que continua a sofrer os golpes impiedosos de assassinos dispostos a morrer para poderem alcançar o seu objectivo: causar um máximo de vítimas no mínimo de tempo possível. Os atentados em França e na Bélgica vieram revelar ainda uma face inédita na autoria dos atentados jihadistas. Trata-se de terroristas que, apesar de, eventualmente, radicalizados no campo de batalha do DAESH, na Síria ou no Iraque, nasceram e cresceram em França ou na Bélgica, isto é, nos países atingidos. Daí que se possa falar de uma rede jihadista franco-belga. Por outro lado, são manifestas as conexões entre as células e agentes que levaram a cabo os atentados de Paris e os que executaram os ataques em Bruxelas. Na verdade, como se escreve no jornal “Público”, “todos os bombistas identificados pela polícia belga pertenciam ao grupo de radicais que atacou Paris em Novembro”. É certo que a maior parte dos operacionais de Paris e de Bruxelas se fizeram explodir. Mas as conexões e responsabilidades continuaram a ser investigadas, tendo a rede de terroristas que atacou Paris em Novembro sobrevivido a quatro meses de investigações e operações policiais. Com efeito, foi em Bruxelas, convertida na “capital do jihadismo na Europa”, que foram recrutados muitos dos autores dos atentados ao Bataclan e aos bares, cafés e restaurantes parisienses ou alugados os veículos em que os mesmos se fizeram transportar até à Cidade Luz. Entre eles contavam-se justamente os irmãos Abdeslam: Brahim, um dos bombistas suicidas de 11 de Novembro e Salah, que, depois de ter conduzido ao Stade de France três correligionários, equipados com coletes de explosivos, viria a desistir de pôr termo à vida, pondo em execução um plano de fuga que o transformou em alvo prioritário de captura por parte das polícias franco-belgas.
Um outro apontamento que merece destaque é o número de irmãos de sangue envolvidos nos diferentes ataques jihadistas. Também em Bruxelas dois dos bombistas suicidas foram os irmãos El Bakraoui – Ibrahim e Khalid. E, se recuarmos ao ataque de 7 de Janeiro de 2015 à revista satírica Charlie Hebdo, lembrar-nos-emos de que os seus autores foram os irmãos Chérif e Said Kouachi.
Depois de ter atacado a liberdade de expressão ou o estilo de vida do ocidente, o terrorismo islamita, quis, em Bruxelas, ferir o próprio centro nevrálgico da União Europeia.
As múltiplas operações policiais que se têm sucedido sem descanso, designadamente, na Bélgica, em França e na Holanda, mas também em Itália ou na Alemanha, permitiram deter, nos arredores de Paris, Reda Kriket, suspeito de estar a preparar um novo atentado em França, cuja concretização estaria iminente.
Os ataques terroristas, designadamente, do terrorismo islamita, estendem-se a muitos outros países em diferentes partes do mundo. Nas cerimónias pascais, dirigindo-se aos fiéis reunidos na Praça de S. Pedro, o Papa Francisco mencionou, entre os países que foram vítimas recentes da demência do terror, além da Bélgica, a Turquia, os Camarões, a Costa do Marfim, o Chade, a Nigéria e o Iraque. Entretanto, em 27 de Março, um terrorista suicida fez-se explodir em Lahore, no Paquistão, fazendo cerca de 65 vítimas mortais. O Papa abordou ainda o tema da guerra na Síria, com o seu cortejo de destruição, morte, desprezo pelos direitos humanos e desintegração da convivência social e ataque deliberado às marcas históricas e culturais.
Numa situação tão crítica como aquela que estamos a viver não é demais chamar a atenção para o grave erro (e a profunda injustiça social e humana) que consiste em confundir os terroristas radicais, capazes das maiores atrocidades, com os refugiados da Síria (ou de outros países em situação de catástrofe). Na sua vulnerabilidade, estes são, a vários títulos, também vítimas do terror: não só porque fogem do desastre mas também porque alguns nichos não integrados poderão converter-se em viveiros de radicais islâmicos ou, noutra deriva, servirem de fermento para o crescimento dos partidos de extrema-direita à custa do medo instalado.
Voltando ao terror jihadista, cabe perguntar: o que é que tem falhado para permitir esta sucessão dos seus crimes? Por razões de espaço, limito-me a salientar alguns pontos que considero fundamentais:
1º Sem prejuízo do reconhecimento dos progressos já realizados, é essencial melhorar a cooperação e a partilha de informação entre os serviços de “inteligência” e de polícia dos países empenhados no combate ao terror. Casos recentes, como o da falta de informação em Bruxelas sobre a radicalização de Ibrahim El Bakraoui, evidenciam falhas e insuficiências ainda existentes, numa área que é fundamental para a prevenção deste tipo de criminalidade: a cooperação e a partilha de informação entre os serviços de “inteligência” e de polícia dos países em luta contra o terror – há pois que incrementá-las.
2º Importa melhorar a capacidade de infiltrar as redes militantes e radicais, malgrado as dificuldades em atingir esse objectivo, dada a natureza fechada das células, reforçada ademais pelas relações de parentesco verificadas entre alguns dos seus membros.
3º Urge implementar novos instrumentos de controlo e segurança, como é o caso do registo europeu dos passageiros aéreos, já instituídos nos Estados Unidos depois dos atentados do 11 de Setembro e assegurar uma fiscalização mais eficiente sobre as deslocações e o regresso à Europa dos radicais aliciados para combater nas fileiras do EI.
4º Aumentar, ainda que com limitações para a privacidade dos cidadãos, a vigilância das áreas e bairros problemáticos ou dos locais mais vulneráveis e estratégicos, bem como a monitorização de suspeitos, familiares e vizinhos e ainda de clérigos muçulmanos radicais ou de jovens ligados à criminalidade organizada.
5º Fomentar uma maior participação social e pedagógica dos responsáveis religiosos muçulmanos e das comunidades islâmicas moderadas, que não devem limitar-se a aparecer e a “dar a cara” quando ocorre mais um atentado terrorista.
A História tem destes cotovelos. Nem sempre se vê claramente o caminho, mas uma coisa é certa: ele existe e continua!