Considero-me um português de quatro costados,
revendo bem no seu povo. Para além de tudo sou um regionalista. Sabem que sou demasiadamente crítico para com aqueles que espezinham os que apenas têm o trabalho como sustento, mas também me vergo em honra daqueles que dignificam as potencialidades culturais, bem como o património comum de que a natureza nos dotou.
Digo aquilo que sinto, com a frontalidade que se me conhece, sou um beirão e que considera as Beiras, como uma vasta região, que vai das Portas do Montemuro às Portas de Rodão e da raia seca às águas do Atlântico. Estou a falar de uma ampla área com diferentes usos e costumes e recheada de belezas naturais, onde muitas vezes se torna necessário esventrar as suas montanhas para que se contemple aquilo de que nunca sequer ouvimos falar.
A variação na altitude de zona para zona, obriga a que a fauna e a flora também se diferenciem. Como estamos a falar em produtos que servem de base à culinária, os sabores, os odores, bem como os temperos, vão mudando à medida que nos deslocamos de norte para sul ou do nascente para poente.
Aqui chegados, batemos no tema que hoje dá corpo a este meu texto. Vou falar de um produto bem nosso, que nos regala, mas que talvez por alguns interesses escondidos, não se lhe tem dado o valor que merece, estou a falar no bovino Jarmelista, seja ele vitelo, novilho ou adulto.
Esta raça tem o privilégio de ser originária de área, onde a altitude ronda os mil metros e num solo relativamente agreste. Isso dá azo a que quando criado em liberdade a sua carne tenha uma textura mais consistente dado que o seu crescimento se torna mais lento. Este meu ponto de vista baseia-se no facto de ser mais saborosa a caça da montanha, do que a da planície.
Mas voltemos à raça Jarmelista, mais propriamente à vitela, que é aquela que leva mais o nome ao talho. Estamos perante uma raça certificada, que a gastronomia regional não aproveita para trazer gente à Guarda. Para além da qualidade precisa de denominações apelativas para os seus pratos, em conformidade com a guarnição que tivesse, podendo ser sempre acompanhada de produtos endógenos, como a castanha e cogumelos silvestres, que tanto abundam pelos campos que ladeiam as aldeias do Jarmelo.
Há quem me diga que para o melhor paladar da vitela jarmelista basta colocá-la numa grelha sobre brasa e, somente, sal a temperar. Penso que é um prato excelente, onde eu não teria pejo de o designar como “Jarmelista em brasa”. Ora, dentro desta minha ironia que me carateriza, eu pergunto: – Quantos não viriam à Guarda propositadamente comer uma “Jarmelista em brasa?”.
Temos que ter em conta que nos dias de hoje a culinária é um dos melhores cartazes turísticos, por isso esteja-se onde se estiver as deslocações são fáceis e por gosto, muito melhor ainda.
Tem ainda dois outros produtos que dão uma grande ajuda. Um deles é o grande salto qualitativo que os vinhos desta região mais interior alcançaram, a outra é a própria história do Jarmelo, que embora trágica, acaba sempre no romance de Pedro e Inês.
Uma outra particularidade é ter a Espanha a dois passos, e como todos nós sabemos os “Nuestros Hermanos” são grandes apreciadores e bons garfos da cozinha portuguesa.
O que deixo escrito não é nenhuma invenção minha, nem tão pouco pretendo tirar partido de qualquer criatividade. Aquilo que aqui transmito baseia-se em factos observados por mim, noutras lugares de Portugal, onde, muitas vezes, vou por convite, acabando por vir consulado por ver o povo valorizar o que é seu.
E por aqui me fico, na esperança que a Guarda valorize o Jarmelo, o seu povo, bem como a vitela jarmelista.