Pontos de Vista
Desta vez, decidi abordar dois assuntos da actualidade, muito diferentes entre si. Começarei por um acontecimento desportivo recente de dimensão mundial e concluirei com uma breve reflexão sobre a realidade política nacional.
1 – Acabaram no último domingo de Agosto os Mundiais de Atletismo de Pequim. A este nível, o atletismo é, na minha opinião, um desporto sem paralelo. Variado, desdobra-se por três grandes “especialidades”, comuns, com pequenas diferenças, aos atletas dos dois sexos: as corridas, os saltos e os lançamentos. As corridas vão desde os 100 metros até à maratona, sem esquecer as estafetas de 4×100 e 4×400 metros e as provas de marcha (20 e 50 quilómetros); os saltos incluem o comprimento, o triplo, a altura e a vara; os lançamentos desdobram-se pelo peso, disco, dardo e martelo. Merecem ainda referência as provas combinadas – o heptatlo para as mulheres e o decatlo para os homens.
Os três primeiros classificados em cada prova são premiados com medalhas de ouro, de prata e de bronze. As cerimónias protocolares de entrega das medalhas são sempre acompanhadas pelo hastear das bandeiras dos países dos laureados e pelo hino do país do “medalha de ouro”.
A competitividade, a superação, a lisura de procedimentos e a boa camaradagem são apanágio deste desporto exemplar – apesar de manchado, aqui e ali, pela praga do doping -, tão diferente do futebol no qual predominam a suspeição, o clubismo desenfreado e a falta de ética de muitos agentes desportivos: dirigentes, treinadores, empresários, e, até, de alguns árbitros.
Como é natural, a generalidade da comunicação social de todo o mundo deu eco aos grandes acontecimentos dos Mundiais, às marcas alcançadas, às grandes figuras em pista, tendo à cabeça Usain Bolt, esse fenomenal sprinter da Jamaica, e aos mais importantes confrontos atléticos. Portugal foi, porém uma triste excepção, uma vez que, mesmo nos jornais desportivos, o que interessa, quase exclusivamente, é o futebol e são as peripécias ligadas a transferências – concretizadas, abortadas ou simplesmente anunciadas – de jogadores. Em regra, uma simples página interior, sem chamada na primeira página, foi o espaço concedido à cobertura dos Mundiais de atletismo. Assim entenderam cumprir e respeitar o seu estatuto editorial de jornais “desportivos”!
Se, por um lado, percebemos a sua opção, na medida em que o que “vende” é o futebol, com o seu cortejo de mentiras, escândalos e negócios, isso não os absolve de contribuírem para incendiar as paixões dos adeptos através de uma cobertura que está longe de ser isenta.
Mas nem tudo é mau: temos em Portugal um notável jornalista especializado em atletismo, que é um exemplo de competência e de conhecimentos a nível internacional. Falo de Luís Lopes, que comentou com grande brilho os nove dias de provas dos Mundiais para a RTP 2. Não o conhecendo pessoalmente, estou há muitos anos habituado a admirar os conhecimentos enciclopédicos deste jornalista desportivo. Num país onde domina o improviso, o espírito de “desenrascanço”, a vaidade balofa de se ouvir a si próprio, dá gosto apreciar o trabalho sério e conhecedor de alguém que estuda profundamente a matéria que é objecto da sua actividade profissional.
No que se refere a resultados, e ao contrário do que era habitual, não foram os EUA nem a Rússia – esta com uma prestação desportiva fraquíssima – que venceram o “campeonato oficioso” das medalhas. Na verdade, foram o Quénia e a Jamaica que ganharam maior número de medalhas de ouro (sete, cada) contra as seis vitórias dos norte-americanos. Quanto a recordes do Mundo, há apenas a registar um: o obtido no decatlo pelo prodigioso atleta americano Ashton Eaton. E, pela nossa parte, nunca será demais salientar a categoria atlética, a enorme capacidade competitiva e a resiliência de Nelson Évora, que, depois de ter percorrido uma longa “via crucis” de lesões e intervenções cirúrgicas, conquistou a medalha de bronze no triplo salto.
2 – E, já que falamos de atletismo, passemos para uma espécie bem diferente de “corridas” (com barreiras): as pugnas eleitorais. No que se refere às legislativas, que ocorrerão no dia 4 de Outubro, imagino, a avaliar por mim, as indecisões que devem assaltar muitos portugueses. Mas a corrida a que me queria referir diz respeito às presidenciais. Sei que não é politicamente correcto falar, por enquanto, nas eleições presidenciais. Os líderes partidários “decretaram” que, até Outubro, é “proibido” falar em presidenciais. E alguns eventuais candidatos, movidos por puro tacticismo, secundaram tal entendimento.
Foi por isso contra a corrente dominante que Maria de Belém pré-anunciou a sua candidatura a Belém. Mais um escolho para António Costa para quem a liderança não tem sido propriamente um passeio tranquilo: já não lhe bastavam a herança governativa e a situação processual de Sócrates, os ziguezagues quanto ao papel do Syrisa, ou a trapalhada dos cartazes, eis que surge, em hora incómoda, a candidatura de Maria de Belém, Presidente do partido durante a liderança de Seguro. É evidente que esta candidatura vai abalar todo o PS. Sampaio da Nóvoa, com o seu discurso sem freio, foi capturado pela esquerda e conta(va) (?) com o apoio, mais ou menos prometido, de Costa. Como será agora? Maria de Belém tem boa imagem junto do PS moderado … e não só! Mas não se pode negligenciar Sampaio da Nóvoa, designadamente se a CDU e o BE não apresentarem candidatos próprios. No centro-direita, depois da desistência de Santana Lopes, num gesto de bom senso, ficam as hipóteses de Marcelo e de Rio. Em matéria de notoriedade, ninguém bate o Professor Marcelo apesar do bom desempenho de Rio na Câmara do Porto. São, porém, à evidência, personalidades muito diferentes: Rio, mais afirmativo, Marcelo, mais preparado. Mas ambos têm alguns defeitos importantes. Ao ouvir recentemente uma entrevista de Rui Rio, cujo pensamento conheço mal, gostei da sua determinação, da coragem e do espírito executivo demonstrados. Porém, quando abordou temas candentes da Justiça, pareceu-me bem menos sensato e, até, imprudente. Em Marcelo, receio a sua invencível (?) tendência para o jogo de bastidores. Temo que, eleito Presidente, com a sua capciosa inteligência, se enrede e enrede, numa teia de narrativas e episódios mais ou menos imaginativos, outros mentores e actores da cena política. Não lhe nego, porém, uma superior bagagem e um longuíssimo percurso de intervenção para o exercício do cargo.
Em suma: mesmo sabendo que não há candidatos perfeitos, penso contudo que ainda não encontrei o meu.
Pelo que, em busca de uma alternativa que me satisfizesse, dei comigo a estranhar que, entre os presidenciáveis, não tenha surgido o nome de Guilherme d´Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas. Cidadão exemplar, socialista, católico praticante, muito competente e bem preparado, sensato, sereno e confiável, dedicado ao serviço do País, homem de bem, a sua entrada na corrida eleitoral dissiparia a minha hesitação.