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A música nos anos sessenta

Nos anos sessenta do século passado, o mundo da canção emergiu numa nova era através de um naipe de cantores, americanos e franceses, que compreenderam a época em que viviam e que a imortalizaram nas suas canções. Um dos grandes foi certamente Bob Dylan. Parecia um jovem tímido, mas tinha uma voz poderosa, inconformista e uma nova maneira de fazer música. O som da harmónica lembrava-nos o realejo, de tradições populares, mas era muito genuíno e identificável com o povo americano.
Éramos embalados pelo conteúdo dos poemas e pela voz típica do cantor. Era jovem, cheio de ideais, desejoso de um mundo melhor, a denunciar injustiças através das canções que ele próprio compunha. Tínhamos as mesmas aspirações e ficávamos a repetir aquele refrão que entrava facilmente pelo ouvido: the answer, my friend, is blowing in the wind, the answer is blowing in the wind.
Também nos impressionou aquela jovem americana Joan Baez. Sentíamos um calafrio ao ouvir a voz límpida e melodiosa desta soprano, ao cantar a canção que se tornou mítica: We shall overcome, we shall overcome, some day! Era quase uma canção religiosa, um desejo firme de vencer, de ultrapassar, de realizar os nossos sonhos e, com esta bela voz, seria mais fácil conseguir alcançá-los.
Naqueles tempos em que a juventude era arregimentada na guerra colonial, ao ouvir a voz de Joan Baez, com aquela canção que se tornou mítica, sentíamos um calafrio que nos arrepiava o corpo todo. A sua bela voz igualava um corpo esbelto, com um vestido comprido, cabelos a voar ao vento qual vulto alado, a denunciar as injustiças, tal um outro Cristo, agora transformado em mulher, a anunciar os novos tempos que, em breve, iriam chegar.
No meio destes artistas sobressaiam, incontestavelmente, os Beatles com o Yesterday, Imagine, Let it be e tantas outras melodias que trauteávamos ao longo dos dias. Não nos cansávamos de ouvir o The sound of silence ou o Mrs Robinson, do conjunto Simon and Garfunkel, a Massachussets, dos Bee Gees, a Jennifer, de Donovan, e tantas outras.
Também a designada canção francesa dava-nos pretexto para prolongar os nossos sonhos. Talvez os mais politizados já tivessem percebido que havia um problema entre Israel e os países árabes e a necessidade de estabelecer a paz entre eles. E quando se ouvia a melodiosa canção Insha’Allah do jovem Adamo, percebia-se melhor os instantes de felicidade que podiam advir do entendimento entre os povos. Havia ainda outras canções, como a Tombe la Neige, que nos lembrava a poesia de Augusto Gil sobre a neve na Guarda.
Muitos de nós viram em directo nos ecrãs da Eurovisão a jovem Gigliola Cinquetti a cantar a Non ho l’età per amarti, e outros ainda se lembram da jovem Françoise Hardy, quando lançou a canção na qual também gostávamos de nos projectar — Tous les garçons et les filles de mon âge se promènent dans la rue deux par deux.
Aznavour impressionou-nos com algumas das suas canções, como a La Mamma, La Bohème et Les enfants de la guerre.
Brassens exigia-nos o máximo de respeito. As suas canções eram autênticos poemas e era conveniente, mesmo com alguns anos de francês, ter um dicionário ao lado para as compreender. A sensação era quase igual quando se ouviam as canções do genial Jacques Brel, e quase embarcarámos com ele para observar os costumes da Flandres e beber uma caneca de cerveja no porto de Amesterdão.
Com Boris Vian, percebíamos que o poder político utilizava a técnica da lavagem ao cérebro para entusiasmar a juventude na guerra colonial. Este cantor enfrentou esta questão e compôs uma enfática canção que só podia ser cantada longe dos “bufos pidescos,” pois incitar à deserção da frente de combate de uma guerra que engolia a juventude de um país: Monsieur le président, je ne veux pas la faire, je ne suis pas sur terre pour tuer les pauvres gens!
Por essa altura, a canção portuguesa ainda não encontrara o seu caminho. A influência do fado era pesada demais para a concretização de um estilo que se pretendia próprio e inserido no tempo actual. Só mais tarde, os cantores portugueses conseguiram encontrar um caminho coadunado com a época em que vivemos.

            Joaquim Tenreira Martins

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