As notícias do distrito da Guarda e da região interior centro

A camisa que veio de longe

Há tempos o meu neto foi prendado com um polo que muito o alegrou. Era um polo especial com o emblema de uma equipa desportiva bordado do lado esquerdo, como é o habitual. Foi o pai que lho trouxe lá de longe, de um país do distante oriente, onde havia passado alguns dias por razões de trabalho. De lá, daquelas bandas onde o polo é desporto.

Assim o polo foi assunto de conversa em casa durante alguns momentos. O polo e a sua interessante história, que é também um pouco da nossa língua, da nossa história e da dinâmica das transformações sociais. Exagero no dizer? Será assim mais forte a mensagem. Aqui se fala de como um jogo se tornou modelar peça de roupa que toda agente veste, sobretudo em tempo quente. Estando nós em final de Verão, aproxima-se o tempo de ir dizendo adeus à roupa mais fresca. Entre ela lá irão os polos para o lugar de descanso na esperança do reconforto do próximo Verão.

O polo. Creio que ainda hoje haverá pessoas que não tenham o hábito de chamar “polo” a essa peça de roupa. Da minha parte, não me repugna dizer que não foi há muitos anos que me habituei a chamar polo a uma peça de vestuário a que habitualmente chamava camisa, camisa de malha para a distinguir das outras camisas tradicionais de tecido ou, então, mais usual ainda, camisete. E isto, apesar de a palavra “polo” ir estando generalizada nos meios comerciais e também no meio familiar. Não sei bem por que razão, mas a palavra “polo” parecia-me contradizer aquilo que ela me lembrava: o frio dos polos, Norte ou Sul. Não tinha sentido chamar “polo” a uma camisete que se vestia nos meses quentes de Verão. Tal palavra coadunar-se-ia com uma peça de roupa de bom agasalho no tempo fresco ou, então, para os habitantes dos polos. Mas, enfim, os caminhos da linguagem nem sempre são os caminhos que apressadamente julgamos mais lógicos.

Até que num dia, dia que não poderei precisar, a língua me foi fugindo para o “polo” e fui esquecendo os polos dos gelos dos dois extremos da Terra onde todos os meridianos se cruzam. Os hábitos linguísticos, como os hábitos sociais, sempre acabam por se impor, mesmo sem a decisão das gentes.

Ler também:  Dia Mundial das Missões, no próximo domingo

Até que num dia recente, e esse sei precisá-lo bem, vim a saber a história da camisa a que toda a gente chama “polo”. Uma história começada com um polo do neto que, de conversa em conversa, me conduziu a pesquisas caseiras. Gostei de saber a história, uma história de marca que até me entusiasmou e me deu o tema desta crónica.

É relativamente recente a história desta fascinante camisete a que nos fomos habituando a chamar polo. Começou, já o dissemos, com um desporto. Um desporto com origem na Índia, segundo alguns, ou, segundo outros, originário da Pérsia onde seria praticado para treino da cavalaria vários séculos antes da nossa era. Dali, o jogo ter-se-á espalhado pela Ásia, incluindo a Índia e China. Até há quem diga que o nome “polo” terá origem na palavra tibetana “pulu” que significa “bola”. Tal hipótese não seria de admirar já que a linguagem voa com os humanos e os homens são como o vento, não criam raízes e tudo transformam por onde passam.

Bem, mas afinal o que é o polo, esse desporto estranho cujos jogadores se vestem com estas camisas com golas e dois ou três botões na abertura que possuem até ao meio do peito? Jogo entre duas equipas, constituídas geralmente por quatro cavaleiros munidos de tacos de madeira muito compridos que pretendem introduzir nas balizas adversárias uma bola também de madeira de alguns centímetros de diâmetro. É, por isso, conhecido também por hóquei a cavalo disputado em campo relvado.

Aquele que terá começado, lá em séculos longínquos, como exercício de treino a futuros agentes de cavalaria foi-se tornando num jogo padronizado com regras específicas que os ingleses terão trazido da Índia para a Europa nos finais do Século XIX. E, com o polo jogado, veio também a camisa de manga curta feita de algodão que os cavaleiros vestiam no jogo. E a camisa foi assumindo o nome do jogo. E o polo jogado passou também a ser polo vestido.

Até que um dia um desportista de outros campos deu outros horizontes à camiseta usada naquele jogo. O outro campo de desporto foi o ténis e o desportista foi a famoso jogador francês René Lacoste [1904-1996]. Diz a história – ou reza a lenda, não sei – que o capitão da equipa tinha prometido a este prodigioso jogador de ténis uma mala de pele de crocodilo que muito havia encantado Lacoste se ele ganhasse o jogo. Foi em Boston, em 1923. Lacoste não ganhou o jogo, mas, tendo tido em campo uma tenacidade de crocodilo, um jornalista americano apelidou-o com o nome deste feroz animal. E assim se fez uma marca.

Ler também:  Variações

Do ténis passou a moda e o crocodilo da marca fez-se símbolo de estilo e estatuto social de quem o traz ao peito.

Toda a gente pode imaginar o resto da história. Celebrizada a camisete, ela vai-se popularizando rápida e intensamente e polos de outras marcas foram aparecendo no mercado mantendo o clássico recorte, mas agregando variações e elementos distintivos, originando estilos diversos.

Confesso a minha ignorância: não sei se se joga polo nalgum relvado desportivo de Portugal. Sei, contudo, que os polos andam por aí a ser vendidos em qualquer loja comercial de roupa e, mais comuns ou mais assinados por marcas de renome e pelo preço, estas versáteis camisetes tornaram-se tão populares e habituais em todos os espaços e circunstâncias que, bem se pode dizer, eles são uma espécie de ícone do vestir contemporâneo, só comparáveis aos ténis e às calças de ganga azul desbotadas e esburacadas como por aí se encontram, vestidas ou em manequins de montra. Mas essas levam a dianteira porque bem podem ser símbolo da sociedade ocidental cuja tessitura parece romper-se com desmesuras atractivas de momento, mas de muito problemáticas consequências sociais.

Está a vir algum frio polar. Vou arrumando os meus polos. Quanto às calças de ganga, essas, as minhas, continuarão disponíveis mesmo para dias de Inverno. Embora já tenham perdido um pouco a cor original, não se encontram esburacadas. Estão íntegras e sem buracos.

Já agora um pedido: se alguém souber de algum lugar onde se pratique o desporto polo em Portugal, faça a gentileza de me informar. Gostaria de assistir a uma contenda na companhia do neto que recebeu com tanta satisfação aquele polo de raiz oriental.

Guarda, 9 de Outubro de 2024

António Salvado Morgado

morgado.salvado@gmail.com

Notícias Relacionadas