A Bélgica é um país de liberdades e de contrastes. Não é um Estado laico, como a França ou como Portugal. É um Estado que aceita e subsidia o culto e as religiões e reconhece as seguintes: judaica, católica, protestante, muçulmana, ortodoxa e até mesmo a laicidade, encarregando-se o Ministério da Justiça de pagar os salários aos respectivos ministros do culto.
Se é verdade que a religião impregnou fortemente a sociedade belga, a ponto de haver ainda instituições apelidadas de cristãs, como uma confederação sindical (Confédération des Syndicats Chrétiens), uma caixa de previdência (Mutualité Chrétienne), duas universidades católicas, uma em Lovaina e outra em Lovain-la-Neuve, dezenas de institutos superiores de ensino, centenas de escolas católicas primárias e secundárias. Há igualmente inúmeros hospitais que têm nome de santos: Saint Pierre, Saint Luc, Saint Raphaël. Até há bem pouco tempo, havia um partido social-cristão, cuja designação evoluiu para o nome de Partido social humanista e o ano passado para uma designação difícil de traduzir: “Les Engagés,” subentendendo-se a ideologia personalista, corrente ideológica veiculada pelo católico francês Emmanuel Mounier.
A Bélgica tornou-se, pouco a pouco, uma sociedade bastante secularizada, pois não foi difícil adotar leis que legalizaram o casamento de homossexuais, a eutanásia e a autorização de interrupção da gravidez, sob certas condições.
Mesmo se 60% dos belgas se confessam católicos, menos de 3% de pessoas frequentam as igrejas aos domingos. Já é um hábito recensear as pessoas que assistem à missa no terceiro domingo de Outubro. Em 2016, eram 286 mil, em 2022, 163 mil. Em seis anos houve 43% de desistências na frequentação das missas ao domingo.
No entanto, o tecido associativo cultural e social está ainda marcado pela justiça social e climática bem caras ao Papa Francisco, mas não os aproximam de igreja institucional.
Por outro lado, a Igreja belga ficou profundamente traumatizada pelos abusos sexuais que os meios de comunicação social divulgaram. Aquando dos debates éticos e culturais, a Igreja católica prefere tomar posições prudentes sem as impor. Os católicos sentem que as posições da hierarquia foram inadequadas no passado. Nota-se uma espécie de medo em cometer novos erros e de receber críticas da parte dos católicos e igualmente do sector laico que é muito aguerrido. A hierarquia pretende lembrar os valores sociais, mas deixa de lado a centralidade da fé em Jesus Cristo e nos valores do evangelho.
É certo que a Igreja se apoia na estrutura das paróquias e no acesso aos sacramentos ministrados pelos padres. Mas a falta de vocações sacerdotais não consegue assegurar uma gestão satisfatória em todo o território belga e tem recorrido sistematicamente à contratação de padres africanos provenientes de países francófonos, sobretudo da República Democrática do Congo, que aqui vêm para completar a sua formação e acabam por ficar.
A Igreja belga, tal como a de muitas partes do mundo, tem de procurar um novo modelo, sem pôr de lado o rico património do passado nem renegar a frequentação dos sacramentos que constituem a sua essência. Muitos pretendem que a Igreja do futuro seja constituída de pequenos grupos, de paróquias vivas que partilhem as mesmas sensibilidades. Mas o risco é de abrangeram apenas uma elite, que sirva apenas os “eleitos” e de se tornarem menos “universais”. Este é um dos temas que preocupou a assembleia do Sínodo, que se espera traga novas abordagens e indicações de caminhos que todos, crentes e não crentes, esperam.
Joaquim Tenreira Martins