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A Beira Alta numa casa de Lisboa

Histórias que a Vida Conta

Guardo do meu tempo de Juiz na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça as melhores recordações de camaradagem e amizade entre todos os que ali trabalhámos. Desde a nossa jubilação, conservámos o hábito de nos reunirmos periodicamente num almoço-convívio, normalmente realizado num restaurante de Lisboa, mas também, de vez em quando, pela amabilidade de alguns Colegas ali residentes, no Porto ou em Braga.

No passado dia 8 de Maio, o nosso grupo decidiu fazer essa confraternização na Casa do Concelho do Sabugal, na Av. Almirante Reis, em Lisboa, a celebrar o prato forte da ementa: o “bucho”, que tantas memórias me evoca dos tempos da minha juventude. Tão saborosa ideia foi do nosso Colega e beirão dos quatro costados, Fernando Pinto Monteiro, anterior Procurador-Geral da República, distinguido há algum tempo com a medalha de mérito da Confraria do Bucho Raiano e Presidente da Assembleia Geral da Casa do Sabugal. Sou amigo do Pinto Monteiro desde os dez anos de idade, quando compartilhámos as carteiras da Turma E do 1º ano do Liceu da Guarda. As vicissitudes da vida trouxeram-me, com 14 anos, para Lisboa, pelo que me licenciei na Faculdade de Direito da capital, enquanto o Fernando Pinto Monteiro foi, como era normal entre os estudantes do Liceu da Guarda, para Coimbra, onde fez o seu curso.

Viemos a encontrar-nos, anos mais tarde, nas canseiras dos concursos para Juiz de Direito e viríamos a ser Colegas no STJ, onde reatámos uma amizade apenas interrompida. Na verdade, sem prejuízo das nossas diferenças de opinião e de temperamento, a nossa amizade envelheceu connosco, sólida e sem falha. Pelo que, não obstante essas diferenças naturais, sempre admirei neste meu companheiro uma permanente autenticidade e uma corajosa coerência nas palavras e atitudes. Assim, a fotografia, tirada durante o almoço e que ilustra esta crónica, retrata com fidelidade e bonomia essa saudável amizade que se tem estreitado ao longo de mais de sessenta anos de vida.

No almoço da Casa do Concelho do Sabugal, onde fomos fidalgamente recebidos pelo Vice-Presidente da Direcção, Alberto Pachê, e pela Drª. Maria do Rosário, fizemos honra a um bucho delicioso : tenro, apaladado, sem ser agressivo, fazia-se acompanhar, como manda a tradição, por batatas cozidas e legumes. Como grande senhor que é da boa culinária, o “nosso” bucho fez-se anunciar à altura. Foi por isso antecedido por uma entrada de chouriça e de farinheira de ímpar sabor beirão e regado a preceito por um conveniente vinho tinto “Quinta dos Termos”, da Beira Interior, engarrafado em Belmonte. A fechar, um bom arroz doce e um magnífico pudim, que nos deixaram de bem com a vida. A amabilidade dos nossos anfitriões foi ao ponto de imprimirem um simpático texto alusivo ao almoço do BUCHO de 8 de Maio de 2014: “A Casa do Concelho do Sabugal saúda a “velha guarda” dos Juízes” (com um pequeno desenho de um juiz togado e com a conhecida peruca da tradição anglo-saxónica). Em cópias deste texto, deixámos, para memória futura, as nossas palavras de gratidão pelo acolhimento concedido, de felicitações pelo “bucho” e de votos de bons êxitos e felicidades pessoais para quantos ali trabalham. E para cúmulo da hospitalidade, brindaram-nos com uma completa e magnífica reportagem fotográfica, que ficará brilhando no álbum das nossas recordações.

Tão feliz evento merece que aqui recorde os Colegas que me proporcionaram o prazer de mais de duas horas de alegre convívio: ali estiveram, além do Fernando Pinto Monteiro e de mim próprio, os Conselheiros João Augusto Ribeiro Coelho, meu querido Colega de Curso desde o primeiro ao último ano da Faculdade, Fernando Ramos, “amigo do peito”, que fez comigo o percurso do Palácio de Palmela, João Barros Caldeira, Armando Tomé de Carvalho, Rui Lopes Pinto, Fernando Magalhães, Manuel Maduro e José António Mesquita. Curiosamente, de entre os dez, apenas três – o Ribeiro Coelho, natural das Caldas da Rainha, o Manuel Maduro, alentejano, e o Lopes Pinto, minhoto, embora casado com uma Senhora de Manteigas -, não têm raízes na Beira Alta. E, dos restantes, salvo o Barros Caldeira, natural de Viseu e o Ferreira Ramos, da Beselga, também do distrito de Viseu, todos os outros temos as nossas raízes familiares no distrito da Guarda.

Apesar de ter decidido dedicar este texto à memória de um acontecimento pessoal – recordar a nossa Beira numa Casa de Lisboa, é, para um beirão, um acontecimento que merece relato -, não quero furtar-me a, telegraficamente, aqui deixar um exercício de “adivinhação” sobre os resultados das eleições europeias do dia 25. Tenho consciência do risco destas previsões, até porque estou a escrever em 11 de Maio, ou seja, ainda antes do começo do período da campanha eleitoral. Mas, sem de qualquer jeito pretender influenciar os meus leitores, vou arriscar…

Assim: (a) a coligação dos partidos que apoiam o Governo e, naturalmente, o próprio executivo vão sofrer uma severa e merecida punição; (b) o PS, não obstante as responsabilidades que lhe assistem na herança de pré-bancarrota que o “Governo Sócrates” deixou ao País, além da vacuidade do seu líder, vai ganhar confortavelmente as eleições europeias. Para isso contribuirá a boa lista que apresenta. Na verdade, se os cabeças de cartaz – Paulo Rangel e Francisco Assis – se podem equiparar em méritos, sendo expoentes de primeiríssimo plano no nosso “devastado” panorama político-partidário, já ninguém poderá, em boa consciência, comparar, por exemplo, as duas segundas figuras de ambas as listas: por um lado, a Doutora Maria João Rodrigues, autoridade respeitada e com provas dadas no plano europeu; por outro, o Dr. Fernando Ruas, figura simpática, mas um viseense dos pés à cabeça. E, nesta matéria, nem um indefectível adepto das virtudes do “povo beirão” poderá não dar prioridade ao reconhecimento do mérito relativo demonstrado ao longo dos anos numa área de competência específica; (c) o PCP vai obter um bom resultado eleitoral; (d) o BE dará ainda uma “prova de vida”, sem se aperceber da tempestade que se aproxima e que irá desabar sobre o partido nas eleições legislativas; (e) todos os demais movimentos candidatos serão, com uma possível excepção, meros figurantes mais ou menos folclóricos. Talvez tenham o mérito de, para além do cortejo dos habituais fiéis, poderem convencer alguns cidadãos à ida às urnas; (f) por fim, assistiremos a uma elevadíssima taxa de abstenção e de votos brancos e nulos. Será uma forma de protesto de um povo sacrificado, sufocado pela austeridade e impotente para fazer ouvir a sua voz.
Gostaria muito de me enganar neste último vaticínio. Mas ando pelas ruas e ouço as pessoas…!

José Augusto Sacadura Garcia Marques
Juiz do Supremo Tribunal de Justiça (Jubilado)

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