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A AGONIA DO HORTO GRÁFICO

Para onde vai a Língua Portuguesa?

O título será estranho para muitos. A estranheza procederá, certamente, da conjugação das palavras «agonia», «horto» e «gráfico», que, implicitamente, contém uma afirmação. Segundo tal haveria um horto gráfico que se encontra em estado de morte lenta, tal como a horta vai morrendo quando não é tratada ou é espezinhada. Quem assim interpretar o título não deixará de ter alguma razão.
Outros poderão lembrar o desajustado acordo ortográfico, subscrito sobre o joelho por mãos traiçoeiras. Segundo estes o título poderá querer dizer que o acordo ortográfico entrou em agonia e terá morte próxima. Oxalá estes venham a ter razão.
Há algumas semanas publiquei neste semanário um artigo a que dei o título «Nada para o acordo ortográfico». Jogava aí com alguma equivocidade, expressa no próprio título e, no final, referia a «troica linguística». Alguns amáveis leitores fizeram-me chegar o agrado com que leram o texto e outros perguntam se não encontrava aspectos positivos no badalado acordo. Esclarecerei um pouco.
Há aspectos em que o acordo já falhou rotundamente ao chamar-se a si mesmo «acordo ortográfico», porque, semeando a discórdia, de acordo não tem nada e de ortográfico também não ao dar primado ao critério fonético em desfavor de outros factores designadamente a etimologia.
Como há entre os falantes diferenças fonéticas claramente audíveis, não tardará que, eliminando as consoantes mudas, o uso oral vá fechando as vogais que a mudez das consoantes mantinha abertas. Aumentará assim o universo de palavras que o uso arrastará para outras grafias. Será isto ortográfico? Quando muito poderia ser chamado ortofonográfico. Mas estaríamos perante um palavrão de significado contraditório na própria composição.
Se a ideia é escrever como se pronuncia, então o sonho da unidade potencia a diversidade e não tardará a alimentar ruídos conflituais na comunicação. «Êsse profe xamado Má Laca e ôtros stôres intendidos» prestaram assim uma preciosa ajuda a quantos já não conseguem redigir, com um mínimo de correcção, um simples parágrafo numa folha de papel, habituados, como estão, a escrever no telemóvel mensagens tal como são pronunciadas e ouvidas, mesmo que simplesmente escritas e lidas. E viva o argumento: é o uso oral que faz a escrita!
Não é em vão que se abandona, em absoluto, a matriz de uma escrita invocando o modo como se pronuncia. A Língua Portuguesa é de raiz grega e latina. Aí, particularmente no latim, se encontra o horto da nossa riqueza vocabular do uso mais comum e isto sem desprimor para a matriz grega geradora de terminologia mais técnica. Quando este jardim é maltratado, ou simplesmente esquecido, as plantas definham e as flores vão perdendo a frescura e a beleza. Passam então a germinar as ervas daninhas, particularmente se elas são apadrinhadas por incautos e insensíveis jardineiros do horto. Triste é o primado da oralidade sobre a escrita, quando ele se apresenta como princípio e base de um pretenso acordo ortográfico!
Já está bem de ver: não discordo do todo do articulado do acordo. Julgo até que alguns pontos já se vinham impondo há muito. Insurjo-me, particularmente, contra a eliminação das consoantes mudas, geralmente de ligação umbilical ao latim. Com ela, eliminando na prática a razão etimológica e realçando a pronúncia, sempre variável e efémera, entrou definitivamente em agonia o horto gráfico da língua portuguesa. As ervas daninhas já por aí se vão disseminando e a acção dos pretensos jardineiros da língua aparenta ser completamente inglória. Julgo superada a dúvida levantada por alguns leitores.
Há, porém, outras razões que me fazem voltar ao tema. Está em andamento um movimento – sabe bem aqui a redundância – para a realização de um referendo sobre a vinculação ao acordo, de que são mandatários personalidades bem conhecidas das nossas letras, como Eduardo Lourenço que dá nome à Biblioteca Municipal da Guarda.
Se vai agonizando o horto gráfico da língua dos grandes mestres do Português, será ainda possível inverter a situação e fazer ressurgir o jardim onde possa medrar a beleza da pátria língua? Fica a minha resposta: haverá esperança enquanto houver mãos que se ergam a dizer não e corais de vozes a gritar bem alto com o poeta José Régio: «Sei que não vou por aí!».
Porque também eu «sei que não vou por aí», subscrevi, como muitos, a petição pública para a realização de um referendo ao acordo da discórdia.
O Presidente da República (PR) acaba de ratificar o acordo que exclui o Português do regime da patente europeia, ficando assim subalternizada na União Europeia. Viva, então, a troica linguística do Inglês, Francês e Alemão. Mais um golpe na Língua Portuguesa e, dizem os entendidos, mais dificuldades para as nossas empresas. Já que os deputados de serviço andam tão distraídos, seria de esperar uma atitude diferente por parte do nosso PR e que, ao menos, tivesse dado ouvidos aos nossos académicos. Triste e lamentável, Sr. Presidente. Consigo e com os acordistas, para onde vai a Língua Portuguesa?
12 de Agosto de 2015

Ler também:  Carta Pastoral

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