Entrevista: Antunes Garcia, Presidente da Delegação da Guarda da Cruz Vermelha Portuguesa


Antunes Garcia é natural de Peraboa, concelho da Covilhã. Estudou no Liceu Nacional da Covilhã, Faculdade de Engenharia de Coimbra e IAPMEI Lisboa- Curso Gestão e Marketing. Nos tempos livres pratica karting, anda de bicicleta (BTT) e gosta de bricolagem.
A GUARDA: A Delegação da Guarda da Cruz Vermelha Portuguesa assinalou 150 anos da sua criação no sábado dia 7 de Novembro de 2020. Qual o significado desta data para a instituição?
Antunes Garcia: É um marco que muito honra esta direcção e todos ao que ao longo destes 150 anos passaram por esta instituição; sabemos que a Guarda foi das primeiras cidades, a nível nacional, a abrir uma Delegação da Cruz Vermelha, o que demonstra que no longínquo ano de 1870 já havia pessoas atentas e motivadas para  ajudar causas humanitárias e sociais na nossa região.
A GUARDA: Nestes 150 anos de serviço aos outros, quais os momentos mais marcantes na história da Delegação da Guarda?
Antunes Garcia: Não é fácil responder a essa questão tão abrangente, é um período muito longo, participaram muitos intervenientes e há poucos registos.Temos conhecimento que a partir de 1975 foi dado algum dinamismo à Delegação da Guarda, na presidência do Dr. João José Gomes, continuado pelo Dr. Júlio Alberto Fernandes e posteriormente pela Dra. Maria de Lurdes Gomes Soares Teles.No mandato da Dra Maria Adelaide Morgado Ferreira (1997-2003) foi criada uma estrutura com atendimento permanente, tendo sido admitida para o efeito a funcionária Ana Bela Marques, que ainda hoje faz parte da nossa equipe.Foi nesse mandato que foi colocada ao serviço a 1ª ambulância de transporte de doentes.O sucessor, Dr. Luis Manuel Marques (2003-2007) deu seguimento ao trabalho que vinha a ser desenvolvido e para impulsionar o transporte de doentes não urgentes, ofereceu ele próprio à Delegação uma segunda ambulância. Tenho a certeza, que com mais ou menos disponibilidade e empenho, todas as direcções fizeram o melhor possível, mas sabemos que a disponibilidade e empenho, nem sempre são suficientes para alcançar os objectivos, são necessários ventos de feição. Os projectos mais relevantes e com resultados mais visíveis aconteceram nos últimos 10 anos, com início no mandato do Sr. Major-General Herculano Martins (2007-2012), direcção que também integrei em 2010, na qualidade de tesoureiro.Nesse mandato houve uma maior reorganização a nível de voluntários e equipes de emergência, foi adquirida uma ambulância nova de transporte de doentes não urgentes, aderimos à Linha 144 de apoio às vítimas de violência doméstica, assegurado 24/24 horas por voluntários.Foi ainda neste mandato que foi admitida a 1ª Assistente Social, que nos permitir passar a analisar com mais rigor os pedidos de  ajuda  dos cidadãos mais desprotegidos.No inicio de 2013, já no mandato da Dra Maria do Carmo Borges (2012-2017)  foi-nos cedido pela Câmara Municipal da Guarda, um espaço para construirmos a nossa Sede, houve grande empenho da presidente para conseguir esse objectivo, mas também não podemos esquecer a sensibilidade demonstrada na altura,  pelo então Presidente da Câmara  Engenheiro Joaquim Valente.Em 2015 bateu-nos à porta um ser humano muito sensível, um homem humilde com coração de ouro, que apercebendo-se das carências desta Delegação se disponibilizou para ajudar a reconstruir a nossa Sede, permitindo assim melhorar, em muito, a nossa operacionalidade.Adquirimos igualmente nesse ano, mais uma ambulância de transportes de doentes.Em 2016 a Sic Esperança em parceria com o Lidl, aprovou-nos um projecto “Rotas para a Saúde”, que nos permitiu adquirir alguns equipamentos e comprar uma viatura, que nos possibilitou passar a apoiar idosos em situação de isolamento.Adquirimos também neste ano mais uma ambulância de transporte de doentes.Em 2019, já como Presidente da actual direcção, adquirimos a nossa 1ª ambulância de emergência, equipamento desejado há muito pelos nossos socorristas e que foi paga na integra com o proveito das múltiplas actividades que os voluntários desenvolveram ao longo de vários anos. Foi um prémio merecido.Em 2020, na sequência duma candidatura, o BPI “Fundação la Caixa” co-financiou o projecto “Saúde +” que tem permitido apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconómica, como tratamentos dentários, oftalmológicos, auditivos e do foro da saúde mental.Todos estes resultados tiveram o empenho e dedicação das direcções, o empenho dos funcionários e a disponibilidade dos voluntários, mas temos de ser realistas e reconhecer que tudo isto seria difícil de concretizar se não tivessem surgido os tais ventos de feição, os apoios especiais atrás referenciados, que não surgem com frequência. A GUARDA: Como avalia o trabalho da actual direcção desde que tomou posse em Março de 2017?Antunes Garcia: É difícil separar o trabalho desta direcção do trabalho descrito anteriormente, porque como já referi, eu entrei para esta instituição em Maio de 2010 pela mão do Major-General Herculano Martins, fiz parte destes 3 mandatos, fui sempre uma pessoa muito presente, participei em todas as decisões relevantes e acompanhei de perto os projectos mais visíveis em que esta Delegação se envolveu, reconstrução duma casa em Escarigo para uma família com 3 filhos menores e em situação de vulnerabilidade socioeconómica, reconstrução da nossa Sede e renovação da nossa frota de ambulâncias, logo, pelo meu forte envolvimento, este mandato teria de ser  um mandato de continuidade. Consolidámos as contas, pois os investimentos no mandato anterior foram elevados, melhorámos a frota de ambulâncias, que é a nossa principal fonte de subsistência e focámo-nos mais nos apoios sociais, pois as solicitações com a covid aumentaram.Implementámos, como referi anteriormente, o programa “Saúde +”, muito relevante no concelho da Guarda, porque abrange tratamentos na área da saúde muito dispendiosos, não suportáveis por desempregados ou cidadãos com rendimentos baixos e que para esse tipo de utentes são completamente gratuitos. Ainda tencionamos neste mandato melhorar a nossa frota e implementar uma nova valência de apoio social, para cidadãos residentes na Guarda, mas esta nova valência está dependente da decisão do senhor Presidente da Câmara da Guarda, sobre um pedido de apoio, não monetário, que lhe fizemos há já algum tempo.
A GUARDA: Quais as respostas desenvolvidas pela Delegação da Guarda da Cruz Vermelha Portuguesa junto da comunidade?
Antunes Garcia: Além das atrás descritas, posso sintetizar outras, também muito relevantes: Atendimento diário a cidadãos em situação de vulnerabilidade socioeconómica; Ajudas técnicas, que é a cedência de cadeira de rodas, andarilhos e canadianas; Banco de roupas usadas e banco de alimentos; Cabazes de Natal; Transportes de doentes não urgentes e doentes Covid; Apoio de socorrismo aos peregrinos na ida a Fátima; Apoio de socorrismo a actividades de desporto cultura e lazer; Apoio de socorrismo em calamidades, catástrofes e incêndios.
A GUARDA: Podemos dizer que a Delegação da Guarda é uma instituição próxima da comunidade? 
Antunes Garcia: Muito próxima, todas as respostas atrás referenciadas, são desenvolvidas na nossa zona de intervenção, que são 6 concelhos, mas é na comunidade da Guarda e freguesias do concelho que a maior parte das nossas actividades são desenvolvidas e nossos apoios são distribuídos.Na área social, posso referenciar que nos últimos 12 meses fizemos 82 novos atendimentos, distribuímos 4.240 peças de roupa, entregámos 210 cabazes de alimentos, demos produtos de higiene a 47 utentes, apoiámos o pagamento de luz/água e medicamentos a 36 famílias e transportamos 32 vítimas.Pagámos o tratamento oral a 20 utentes e fornecemos óculos graduados a outros 19. 
A GUARDA: Quais as principais dificuldades com que se tem debatido esta direcção?
Antunes Garcia: As dificuldades desta direcção são as mesmas das anteriores direcções: Falta de apoios.A Cruz Vermelha Portuguesa, à semelhança de outras instituições de solidariedade social, só existe porque o estado português não cumpre com as suas obrigações, apoiando devidamente os seus cidadãos, que são seres humanos com direito a alguma dignidade.Era suposto que para atenuarmos estas desigualdades sociais o estado contribuísse com algum apoio, pois as instituições de solidariedade social já contribuem com  os equipamentos e recursos humanos, mas há uma desresponsabilização continuada, existem grandes deficiências sociais na comunidade, o estado não dá resposta, nós tentamos colmatá-las na medida do possível, mas não somos minimamente apoiados, nem pelo estado central nem pelo Instituto de Segurança Social, apenas recebemos um pequeno apoio da Câmara Municipal da Guarda, tão pequeno, que nos leva por vezes a pensar não serem os apoios sociais a prioridade deste executivo.  O tecido empresarial da nossa região, também não segue as boas práticas existentes em zonas e países mais desenvolvidos, abraçando a “responsabilidade social empresarial”, pelo que na Guarda esse tipo de apoio também não tem expressão. Os apoios conseguidos provêm de outros organismos e fundações fora da área que apoiamos, BPI, Sic Esperança, Lidl e Sonae/Continente....“queremos continuar a ajudar quem precisa mas há uma verdade inquestionável, nós só poderemos ajudar… se formos ajudados”.A GUARDA: Como olha para o futuro da Delegação da Guarda da Cruz Vermelha Portuguesa?
Antunes Garcia: Nós sobrevivemos durante 150 anos, com altos e baixos, com períodos complexos e algumas dificuldades financeiras, mas conseguimos sobreviver. Hoje temos a nossa própria Sede, temos uma equipe empenhada, 2 técnicas na área, social, uma assistente administrativa, 4 motoristas e um grupo de voluntários sempre disponíveis para novos desafios.Pretendemos aumentar a nossa intervenção, queremos implementar novas valências, queremos continuar a ajudar quem precisa mas há uma verdade inquestionável, nós só poderemos ajudar… se formos ajudados.Como presidente desta direcção e como cidadão da Guarda, quero agradecer a todos os que ao longo destes 150 anos, mantiveram viva a chama desta Delegação, a chama da Cruz Vermelha na Guarda.