Entrevista: André Pinheiro Pires – Colaborador da D-Orbit

André Pinheiro Pires é natural e Vale de Estrela, concelho da Guarda e trabalha na D-Orbit, uma empresa totalmente virada para o espaço. Estudou na Escola Básica 2º/3º Ciclo de Santa Clara, Guarda, na Escola Secundária da Sé, Guarda e no Instituto Superior Técnico (Licenciatura e Mestrado).Ocupa os tempos livres no SimRacing (jogos de simulação de corridas de automóveis) e a assistir a corridas de desporto automóvel, seja Formula 1, Formula E, WEC ou Le Mans.A GUARDA: O que é a D-Orbit e como aparece a sua ligação a esta empresa sediada em Como, Itália? 
André Pires: A D-Orbit é uma empresa totalmente virada para o espaço. Nasceu com soluções para reduzir o lixo espacial mas percebeu que em 2011 o mercado não estava ainda preocupado com tais assuntos. Desde então, apontou as suas agulhas para o mercado de logística espacial.  Até hoje lançamos já 4 satélites, tendo o ultimo sido lançado há menos de um mês no dia 30 de Junho. Este último satélite enviado, denominado ION, é na verdade um veículo que transporta outros satélites mais pequenos dentro de si e a sua tarefa é colocar estes satélites mais pequenos, de diversos clientes, nas órbitas por estes pretendidas. A vantagem para os clientes é que são assim capazes de iniciar a sua operação mais cedo. Isto para pequenos satélites com tempos de vida abaixo de 5 anos, é muito relevante.Um outro produto bastante valorizado pela empresa é o Aurora. O Aurora é uma solução cloud-based para controlo de múltiplos satélites. Nasceu da necessidade de desenvolver um software para controlar os nossos satélites. Este conceito foi explorado e nasceu assim a ideia de desenvolver algo para controlo de missões críticas, capaz de se adaptar a diferentes características de uma missão. Não tem de ser só satélites mas para já esse é o nosso foco. Este software tem sido usado para controlar as nossas missões e começa a ter alguma atracção no mercado.A minha ligação a esta empresa foi um mero acaso. Após ter terminado o curso e de uma pequena passagem pela Nokia, estava novamente à procura de um empregador. A D-Orbit em Portugal estava nessa altura também a contratar para o início do que se tornou o Aurora. E ao encontrarem o meu perfil entraram em contacto comigo. Para ser honesto, a descrição da oferta não parecia muito apelativa mas fui na mesma à entrevista. Durante a entrevista percebi melhor o que pretendiam e criou-se ali uma oportunidade interessante. A D-Orbit PT deu-me a oportunidade de me iniciar numa área um pouco diferente dentro do desenvolvimento de software, a área que estava à procura. A GUARDA: A sua formação em Engenharia de Telecomunicações e Informática no Instituto Superior Técnico, em Lisboa foi uma porta aberta para entrar nesta empresa?
André Pires: Não diria que o curso em específico foi relevante. Sinto que podia ter tirado Engenharia Informática ou até Engenharia Electrónica que a oportunidade poderia aparecer na mesma. Um curso de engenharia dá as bases em diversas áreas e não apenas naquela área específica do curso. Acho que o mais relevante foi a instituição. Nas entrevistas sente-se isso quando nos perguntam onde tiramos o curso.   
A GUARDA: Sendo italiana, a empresa tem representações em Lisboa, Portugal, Washington DC e Harwell, Reino Unido. Qual o trabalho que é feito a partir de Lisboa? 
André Pires: A D-Orbit abriu escritório em Portugal ao ganhar um concurso de empreendedorismo em 2014. Por cá o foco está no desenvolvimento do software para controlo de satélites, o Aurora. Por aqui dedicamo-nos essencialmente ao desenvolvimento de software mas temos também ambição de fazer algum controlo de missão. Ou seja, ter equipas que vão usar o Aurora para controlar os nossos satélites ou até mesmo de outras empresas interessadas. Já temos até alguém em Portugal com esta função.A GUARDA: Qual o seu contributo no desenvolvimento do software Aurora?
André Pires: Eu faço parte da equipa de desenvolvimento do Aurora e tenho duas principais tarefas. Sou o responsável pela infraestrutura onde o software é executado. Quer isto dizer que sou responsável por garantir que o Aurora esteja sempre a correr e disponível para os clientes. Esta infraestrutura tem também de suportar a equipa de desenvolvimento sobre o estado do nosso produto e com alertas para prevenir quebras de serviço. A outra tarefa que desempenho é a de micro gestão e planeamento na equipa. Sou Scrum Master, o que trocado por miúdos quer dizer que faço planeamento das tarefas da equipa de desenvolvimento e garanto que a mesma está a seguir as prioridades definidas para atingir os objectivos definidos a cada 2 semanas. 
A GUARDA: O que é que este software tem de inovador?
André Pires: O Aurora tem algumas particularidades inovadoras. Entre elas a questão de ser um produto cloud-based, desenhado desde o início para correr na cloud e ser acedido de qualquer parte, com qualquer tipo de equipamento, seja um computador, tablet ou telemóvel. Depois fornece automatismos para a comunicação com o satélite. Isto porque, para a maioria dos clientes, a comunicação não é possível 24h/7. Existem pequenas janelas de comunicação de 10 a 15 minutos e os operadores têm de saber exatamente o que querem fazer com este escasso tempo. Podemos estar a falar de verificar o estado dos vários sensores ou algo mais complexo como é no nosso caso quando queremos fazer a entrega de um dos satélites dos clientes numa diferente órbita. Nestes momentos é importante garantir que diversos critérios são assegurados. Automatismos para fazer estes processos garantem menos erros e melhor serviço. Existem ainda outras soluções relevantes como alertas para o operador sobre o estado de um sistema do satélite tendo em conta a telemetria recebida ou soluções de visualização de dados como gráficos ou tabelas.Mas o Aurora não é só propriamente o controlo da missão e pretende também facilitar a mesma noutras áreas como a gestão da redes de antenas a usar para comunicar com o satélite. Neste momento o Aurora é capaz de usar antenas de diferentes empresas como a Amazon, Leafspace ou RBC Signal. Outra área relevante é a de análise de dados. Estamos a explorar esse lado também e queremos, através do Aurora, dar aos clientes soluções para extraírem o real valor dos dados recebidos do espaço.
A GUARDA: Em Portugal, quantas pessoas colaboram com este projecto?
André Pires: O Aurora já está a ser trabalhado não apenas desde Portugal. Nasceu aqui mas tornou-se um produto de futuro para a empresa. Mas a maioria das pessoas que trabalham nele são portuguesas e moram em Portugal. Quero com isto dizer que somos uma equipa distribuída, tendo membros tanto em Itália como no Reino Unido e mesmo em Portugal nem todos os elementos vivem na zona de Lisboa. De Portugal somos neste momento 8 pessoas, com diferentes experiências profissionais e com foco em diferentes áreas seja desenvolvimento de software, seja gestão de produto ou vendas. E, já agora, dizer que estamos activamente a recrutar para a equipa de desenvolvimento.
A GUARDA: É desafiante trabalhar num projecto que garante uma cobertura global que pode ser adaptada às necessidades e ao orçamento de qualquer missão espacial?
André Pires: Acho que a maioria de nós tem curiosidade nesta área, no espaço. Eu tenho e esse interesse cresce à medida que vou sabendo mais. Quando entrei na empresa não sabia grande coisa, o comum. Mas depois de quase 3 anos ainda me espanto em como o espaço funciona em certas coisas. Trabalhar nesta área é certamente motivante e desafiante. Desafiante não apenas na questão da disponibilidade de serviço 24/7 ou no desafio que é ter uma solução que se adapte a diferentes necessidades. É também pelo facto de estarmos a falar de um sistema crítico, que gere um equipamento que custou milhões a desenvolver e a enviar para o espaço; a comunicação com ele é escassa e tem de ser aproveitada ao máximo, sem atrasos; os dados recolhidos são caros de obter e têm de ser geridos com a máxima segurança; a escalabilidade do serviço como um todo para suportar mais clientes ou mais procura durante determinados momentos… são variados os desafios envolvidos. É um mercado de milhões e em crescimento. Trabalhar para algo deste valor é certamente diferente. A GUARDA: Nunca pensou regressar á Guarda depois de terminar a formação académica?
André Pires: Pensei nisso quando terminei o mestrado. Acho que todos pensamos. Mas o problema são as oportunidades; e as melhores estão centradas em grandes cidades como Lisboa ou Porto. Fiquei por Lisboa na altura, fui criando raízes, e agora é cada vez mais difícil daqui sair. Mas com o trabalho remoto a ser cada vez mais a norma, maiores são as possibilidades de me mudar para um outro local como a Guarda.