Maria da Conceição Costa transforma desperdícios em peças de arte

A poucos quilómetros da Guarda, em Aldeia do Bispo, há uma casa que guarda memórias, em forma de santinhos e não só, saídas das mãos e da criação de Maria da Conceição Costa. Uma autêntica preciosidade que foi aumentando desde que a pandemia também tomou conta dos dias da Aldeia. Os serões longos e monótonos tornaram-se fonte de inspiração e dos desperdícios têm saído autênticas obras de arte. “Sabe, durmo muito mal, tenho muitas dores nos ossos, e quando o marido vai para a cama eu fico a fazer estas coisas”, disse Maria da Conceição ao Jornal A GUARDA. Pinhas, bolotas, canas de foguetes, abóboras, cogumelos, castanhas, restos de madeira… tudo serve para moldar mais uma peça cheia de vida, cor e alegria. E explica: “Custa-me muito aventar com as coisas, principalmente os santinhos e, por isso, recupero tudo”. Tem muito brio naquilo que faz mas reconhece que “nas aldeias não dão valor nenhum a isto e até dizem que é uma bonecada que não vale nada, mas olhe que dá muito trabalho”. Mostra com orgulho a última peça que serviu para abrigar a Rainha Santa Isabel e onde as rosas recordam o milagre de tão nobre senhora. Quem se aventura e ganha coragem para trepar os oito degraus, desde a rua até ao andar cimeiro da casa que comprou a uma irmã, com o intuito guardar as coisas da horta que fica mesmo ali ao lado, é surpreendido com tantas peças de arte. Maria da Conceição recorda como tudo começou e como foi crescendo o gosto pela valorização das imagens dos santinhos com outros elementos que vai encontrando e guardando. “Em 2001 fui ao Brasil e fiquei um mês em casa de uma amiga que fazia coisas muito bonitas com as imagens dos santos e aprendi esta arte”, explicou. Aproveitou a viagem para comprar algumas imagens, devido ao preço baixo a que eram vendidas e, quando regressou à Aldeia meteu mãos à obra e nunca mais parou. Mostrou as primeiras peças na casa do balcão que já tinha pertencido a uma tia, a senhora mais rica da Aldeia, durante a Feira das Tradições, um evento que atraiu muitos visitantes. A exposição que era para ser temporária passou a permanente e, ao longo do tempo ganhou novos adereços. Mesmo à entrada, o quadro com a fotografia da tia Joaquina da Costa Pacheco recorda a benemérita que “deu luz à Aldeia”: “É esta a grande senhora/ Que pagou a luz da Aldeia./ Deu casa aos pobres, matou fome/ e tirou-nos a candeia”. Seguem-se dezenas e dezenas de peças que guardam presépios, imagens do Menino Jesus de Praga, de Nossa Senhora (Fátima, Aparecida), e de santos (Santo António, São Francisco, Santa Teresinha, Santo Onofre…). “Costumo abrir a porta de manhã à noite para as pessoas puderem ver aquilo que eu faço mas aqui ninguém chega, passam e andam”, desabafa Maria da Conceição. Mesmo assim insiste em manter a porta aberta, nem que seja para arejar as peças. E adianta: “Agora vou parar, já cá não cabe mais nada, já está tudo muito cheio”. Quanto ao futuro das peças gostava que ficassem no Museu da Aldeia, de maneira a que fossem mais valorizadas. Maria da Conceição é natural de Aldeia do Bispo e tem 81 anos. Andou na escola até à 3ª Classe e depois, como era a mais velha, teve de cuidar dos irmãos. Aprendeu costura na Guarda para onde caminhou a pé, dos 15 aos 25 anos, altura em que se casou. Ainda trabalhou no antigo Lar Feminino da Gulbenkian e mais tarde na Fundação Augusto Gil. Gosta de escrever poesia que reuniu num caderno da colecção ‘O Fio da Memória’, iniciativa da Câmara Municipal da Guarda. Tem três filhos, um dos quais reside em Aldeia do Bispo. Ocupa o tempo nas lides domésticas e na horta, isto sem nunca esquecer os seus ‘santinhos’.