Não é vulgar o nome “Norberto” em Portugal.

Tenho, porém, dois primos com esse nome. São tio e sobrinho. É com o mais novo, o Norberto sobrinho, que vou contactando mais frequentemente, sobretudo desde que resistiu, heroicamente, a uma doença daquelas que surgem rápida e traiçoeiramente, e que o obrigou a abandonar mais cedo o trabalho de uma vida. Lá para as bandas de Lisboa, em Monte Abraão, vive agora, santa e alegremente, com as devidas cautelas que a situação de saúde lhe exige. Vamo-nos encontrando sempre que possível e telefonamo-nos com frequência.Telefonei-lhe no passado dia 6 do corrente mês de Junho a dar-lhe os parabéns. Não, não fazia anos nesse dia. Nasceu na mesma aldeia que eu, num dos meses mais frios de um Inverno beirão. Estranhou a minha felicitação, e imaginou, com uma usual e sadia gargalhada, que estaria eu, sportinguista, a brincar com ele, pelo último resultado do Benfica, ele que é benfiquista dos quatro costados. Mas não, logo acrescentei que o futebol português está de tal modo pelas ruas da amargura que o melhor é esquecer e aguardar pela sua ressuscitação. Quando mais eu incidia nos parabéns mais confundido o Berto se ia sentindo, a fazer companhia a Abraão a caminho do monte para o sacrifício.Era o dia 6 de Junho. Iniciara-se, portanto, o mês dos Santos Populares: Santo António, São João e São Pedro acompanhado de São Paulo que foi ficando esquecido nas festas populares. Mas, antes de 13, 24 e 29, estava o dia 6, o dia de São Norberto, um santo medieval que, até pela raridade do nome, não deveria passar ignorado de nenhum Norberto. Mas era o caso. Ao dar-lhe os parabéns pelo dia festivo do seu Santo Onomástico, logo desejou saber algum aspecto da sua vida. Pouco ou nada lhe quis adiantar. Aconselhei-o antes a proceder a uma pesquisa na internet. Talvez viesse a saber que São Norberto é também um santo popular nalgumas bandas da Europa por onde se santificou. No Catecismo da Igreja Católica podemos ler: “Deus chama a cada um por seu nome. O Nome de todo homem é sagrado. O nome é o ícone da pessoa. Exige respeito, em sinal da dignidade de quem o leva.” (2158) E logo a seguir: “O nome recebido é um nome de eternidade.” (2159) O nome de cada um é “sagrado” e “nome de eternidade”. Contudo, quanto julgo saber, a não ser nalgumas ordens ou congregações religiosas, creio que em Portugal não há grande tradição de se celebrar o Santo Onomástico. Não estranhei, pois, a desorientação do Norberto com a surpresa das minhas felicitações. Aliás, terá sido a primeira vez que me ocorreu felicitá-lo em tal dia.As palavras do Catecismo, para além da dimensão teológica que expressam, ajudam-nos a compreender porque é que a tradição da Igreja valoriza a dimensão espiritual da devoção ao Santo Onomástico. Se, por um lado, ele é visto como padroeiro e protector de cada pessoa, por outro lado, aparecerá o Santo Onomástico como uma espécie de guia a inspirar os caminhos da vida.Há dois dias foi ele a telefonar-me. Já havia procedido à pesquisa e estava feliz por poder pensar que a sua vida vinha tendo um tal protector. Mas sempre me lançou a pergunta:- Aquilo da sua vida, será verdade?- A que te referes com o “aquilo”? - Perguntei.- Aquilo da tempestade, - respondeu.De momento veio-me à lembrança a depressão que atingiu Portugal que, na primeira semana do passado mês de Março, de norte para sul foi varrendo o país com vento e agitação marítima fortes, chuva e descidas de temperatura e até queda de neve nas zonas de maior altitude. Não sei se os meteorologistas conheciam a tempestade da vida de São Norberto, mas deram-lhe o seu nome. Nascido por volta de 1080 em Xanten – Alemanha – era o filho mais novo de uma família rica e nobre. Frequentador das altas rodas da nobreza, dedicava-se a caçadas e à vida luxuosa da corte. Um dia, quando cavalgava num bosque, levantou-se grande tempestade e o cavalo morreu, atingido por um raio. Norberto desmaiou e, ao reaver a consciência, terá ouvido uma voz a chamá-lo a uma diferente vivência do Evangelho e a abandonar o comodismo da vida mundana que levava. E acontece a conversão a uma nova vida. Percorre os caminhos do centro da Europa a pregar o Evangelho e, feitos os estudos teológicos, no Mosteiro de Siegburgo, recebe a ordenação sacerdotal. Depois, bem… Depois, assume uma vida de pregador itinerante e mendicante, até ser designado arcebispo de Magdeburgo. São Norberto, considerado um dos grandes reformadores da Igreja no Séc. XII, falece a 6 de Junho de 1134 e é canonizado em 1582 pelo Papa Gregório XIII. Os restos mortais do Santo, inicialmente jacentes em Magdeburgo, encontram-se hoje no mosteiro de Strahov, em Praga, na República Checa, cujo órgão da igreja foi utilizado por famosos organistas, incluindo Mozart nas suas frequentes passagens por esta cidade.- Aquilo da sua vida, será verdade? – Perguntava o Norberto referindo-se à intempérie que virara do avesso a vida daquele jovem Norberto. A pergunta não seria feita sem razão, sabendo nós que os hagiógrafos nem sempre se conseguem desfazer de lendas que acompanham as narrativas da vida de muitos santos. Não saberemos responder à pergunta, mas sabemos que surgem na vida humana, comunitária e pessoal, muitas tempestades e intempéries que podem mudar em muito a vida dos homens. Comunitariamente, bem sabemos que vivemos uma pandemia, essa tempestade viral tão malévola como veloz e subtil. Vamos resistindo aos seus ventos, mas não sei se teremos a força para assumirmos uma conversão que as estruturas modernas parecem exigir. Individual e pessoalmente, cada um poderá falar por si. Há uns anos, creio que na primeira vez que o visitei em Monte Abraão após a alta do Hospital de S. José, terminado o almoço demos uma pequeno passeio pelo bairro. Ao passarmos por uma árvore singela, parámos a contemplar as suas flores de deslumbrante azul-lilás. Perguntei ao Norberto se sabia o nome daquela árvore que assim nos brindava com tamanha beleza. O Berto não sabia o nome e ficou muito admirado quando lhe disse que se tratava de um jacarandá, uma das mais belas árvores que enfeitam muitas artérias de Lisboa a partir do mês de Maio e que se vão estendendo pelos aglomerados da periferia da capital.Toda a gente sabe que Lisboa é a capital de Portugal. Muitos saberão que as suas ruas e praças se transformam no início do Verão em jardins de jacarandás. Alguns nem conhecerão tal nome e poucos saberão que o jacarandá fora trazido da América do Sul por Avelar Brotero (1744 - 1828) para o Jardim Botânico da Ajuda de que era director.Guarda, 10 de Junho de 2020