Costumo dizer que os melhores anos da minha vida foram os que passei no Seminário da Guarda. Foram seis anos de juventude e de sonho. Sentia que um mundo novo estava a chegar e tinha vontade de contribuir para a sua transformação.


Cheguei à Guarda no mesmo ano e no mesmo mês em que abria o Concílio Vaticano II, em outubro de 1962, que, em princípio, iria mudar a face da igreja, uma igreja mais comprometida e mais em sintonia com o mundo de hoje. Ouvia-se frequentemente a palavra aggiornamento, quer dizer, actualização da igreja, do seu modo de pensar, e, sobretudo do seu modo de agir, em todos os domínios. Lembremo-nos que as missas eram em latim, o celebrante estava ainda de costas para os participantes, o que, na hora actual, pareceria impensável esta maneira de agir. Também os ofícios: funerais, cerimónias, etc., era tudo em latim.
Os padres conciliares deram-se conta que era precisamente pela liturgia que deveriam começar as mudanças na igreja e, quase de um momento para o outro, foi necessário adaptar para a língua portuguesa todo o monumento litúrgico que tinha sido construído durante séculos.
Não foi fácil este começo de mudança. Dentro da própria Cúria romana eram notórias as tensões que tentavam emperrar uma mudança desejada por uma ala renovadora aconselhada por teólogos que se distinguiram neste Concílio, tais como, Karl Rhaner, Yves Congar, Ratzinger, Sckiliberchx, Hans Kung, e outros, que ajudaram na formulação e na redação dos respectivos documentos conciliares, alguns marcadamente inovadores.
Também na formação dos seminários era necessário estar aberto à mudança ou, como se dizia naquele tempo, era necessário estar atento aos sinais dos tempos. O sinal tinha sido dado pelo Concílio. Tornava-se necessário um aggiornamento em todos os domínios da igreja e também nos seminários.
A sessenta anos de distância, acho que talvez a mudança que aconteceu naquele edifício de pedra assente na rocha granítica do Bonfim não tenha sido a melhor. Ter substituído uma equipa totalmente nova, composta por um novo reitor e professores de um momento para o outro, sem consultarão prévia, sem qualquer explicação, sem qualquer justificação da parte do responsável máximo da Diocese, talvez tenha sido uma decisão radical e temerária.
E aquela juventude imbuído das ideias do Concílio teve a sensação de ter sido castigada, como castigados teriam sido os professores da antiga equipa.
Sessenta anos passaram, o pó depositou-se sobre os dossiers, tinha-se colocou-se uma pedra no assunto, cada um ficou com a sua verdade e todos já tinham esquecido.
Com este meu livro, NO SEMINÁRIO MAIOR, editado pela Ego, pretendi recuar no tempo e reavivar a memória já repleta de buracos provocados pelo queijo da Serra e contar à minha maneira o bem e o mal que me ficou em estilo metafórico porque seria impossível fazê-lo de outra maneira.
As portas daquele Seminário Maior continuam a assombrar-me. Ainda outro dia as transpus num silêncio místico e tive a intuição de que ainda me reconheceram. Gosto de lá entrar e tenho a mesma sensação de entrar numa igreja para ouvir o salmodiar das vésperas. Encontro-me comigo próprio e com a minha saudosa juventude que me deu as bases para a vida adulta.