Histórias que a Vida Conta

1 - A vitória de Rui Rio nas eleições internas do PSD encostou o Partido mais à esquerda. O PSD, posicionou-se no centro, centro-esquerda, à semelhança, de resto, do que o seu líder reeleito sempre se afirmou. Rio disponibilizou-se durante a campanha para “dar a mão” ao PS, se este ganhar as eleições sem maioria absoluta e precisar da sua colaboração parlamentar, esperando, no entanto, que o contrário também aconteça.Se o vencedor tivesse sido Paulo Rangel posicionar-se-ia no centro-direita, com um discurso mais duro e intransigente para com o PS e o seu líder.Resulta deste simples facto, que creio ser indiscutível, que um largo espaço situado no campo da direita democrática e do centro-direita ficou agora um pouco “terra de ninguém”, sem direitos registados por um qualquer partido com vocação de poder. Daí que Adolfo Mesquita Nunes tenha afirmado, no seu debate televisivo com Mariana Mortágua, na passada 2ª feira, dia 29 de novembro, que “se sentia órfão” porque não se via representado por um qualquer partido nesse amplo e fundamental espaço sociológico e político que é o da direita conservadora e democrática. Na verdade, o CDS, que ele, como tantos outros, abandonou, e o seu líder, Francisco Rodrigues dos Santos, que se furtou ao combate interno que poderia renovar a legitimidade da sua chefia, estão condenados à irrelevância política, a menos que Rui Rio, que afirmou não ser mal-agradecido, lhe dê a mão numa aliança pré-eleitoral. Por sua vez a Iniciativa Liberal (IL), sendo um partido que se inclui no grande espetro não socialista, e que poderá recolher o voto de muitos desiludidos do velho PSD (e do antigo CDS), que marcam uma linha intransponível com o PS, não é um partido conservador, sendo, em muito aspetos, uma força aberta e cosmopolita, urbana e bem nascida, muito diferente das ideias do eleitorado do PPD/PSD de Sá Carneiro ou de Cavaco Silva, ou do CDS de Freitas do Amaral, Amaro da Costa ou, até, de Paulo Portas, mais conservadores e ligados aos valores da ruralidade. Existe, é certo, e com largas ambições eleitorais, o “Chega”, mas aí estamos num campo diferente e incompatível com o da direita democrática. Não duvido que será o destinatário de muitos votos que seriam originariamente encaminhados para o PSD, partido este inter-classista e muito lusitano, com as qualidades e os defeitos que nos caracterizam como povo. Mas, também não o duvido, o eleitor típico do PSD tem a separá-lo do PSD não querer nada com o partido de André Ventura. Eis aqui os “órfãos”. São os desenganados do PSD e os “perdidos” do CDS.
2 - E quem serão os “poderosos”?São obviamente, os políticos e os dirigentes do PS, o partido que tudo comanda e que em tudo quer continuar a mandar, sempre e cada vez mais afincadamente. O Partido que é Governo há seis anos e que tem tido, desde o 25 de abril, um grande predomínio na governação do País; o Partido que fez e desfez a “geringonça” e pode vir a ressuscita-la de acordo com as suas conveniências; o partido dotado de uma máquina de propaganda sem rival e com uma capacidade de intervenção sem paralelo nos corredores do poder ou nos gabinetes da comunicação social.E não será também o Presidente da República um poderoso? Não será mesmo o primus inter pares entre todos os poderosos? Sim e Não. Explicando: Sim porque detém uma legitimidade pessoal única, resultante de ter sido sujeito ao sufrágio popular por duas vezes e, em ambas, ter obtido maiorias absolutas à primeira volta. A par disso detém importantes competências constitucionais, elencadas nos artigos 133º (competências quanto a outros órgãos), 134º (competências na prática de atos próprios) e 135º (competências nas relações internacionais). Não, porque não tem poderes executivos e não pode substituir-se ao Governo ou à Assembleia da República no exercício dos poderes que a estes órgãos de soberania assistem.Os poderes do PR estão desde logo delimitados pela Constituição (CRP), que define o cargo do seguinte modo: “o Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas” (artigo 120º da CRP). Acresce que, por vicissitudes da sorte (ou da pouca sorte) ou ainda, por vezes, por erros próprios, o PR não tem sabido - ou não tem querido - ferir o funcionamento e a plenitude dos poderes de outros órgãos de soberania, designadamente, do Governo, que tem auxiliado e amparado para além do que muitos imaginavam. Os casos recentes com os escândalos nas Forças Armadas e os mal-entendidos com o Ministro da Defesa, são elucidativos. O Presidente Marcelo abdicou, na prática, de exercer as competências de Comandante Supremo das Forças Armadas, assim evitando melindrar o Governo, que, na opinião generalizada, bem merecia uma reprimenda e um aviso.
3 – Mas é justo reconhecer que o P.R., nos momentos fundamentais, tem sabido exercer as suas funções com a superior capacidade que se lhe reconhece. Fê-lo por exemplo durante toda a campanha eleitoral que conduziu à sua reeleição, superiorizando-se claramente a todos os competidores. Fê-lo agora de novo na fundamentação do seu veto político à lei da eutanásia. Exemplar na estrutura jurídica que lhe deu corpo, veio demonstrar a leviandade do trabalho dos parlamentares que, na ânsia de um rápido sucesso, “responderam” ao Tribunal Constitucional, acrescentando as “inesperadas perplexidades” causadas pela possibilidade de a morte medicamente assistida poder ocorrer em situações de “doença só grave”, de “doença grave e incurável” ou de “doença incurável e fatal” (cfr. o editorial do “Público, de 1 de dezembro). Puseram-se a jeito para um castigo aplicado pela lógica jurídica implacável e pela argumentação demolidora de Marcelo. Numa matéria desta complexidade é preciso o maior rigor na definição dos conceitos, evitando os vagos e indeterminados, para desse modo se impedir a criação de “rampas deslizantes” que, á semelhança do que acontece em países civilizados, como a Bélgica, se utilize esta modalidade de “morte medicamente assistida”, à revelia dos fundamentos mínimos exigidos pelo legislador.E assim chegamos à terceira categoria dos cidadãos enumerados no título: os “ninguéns”. “Ninguéns” à luz da lei que alguns lhes querem destinar, que não á luz da sua dignidade de seres humanos e de filhos de Deus. A estes se podem somar outros conjuntos de “ninguéns”: os refugiados, fugidos à fome e à guerra através de um mundo sem alma; os doentes graves e acamados, bem como os presos impossibilitados do exercício do seu direito ao sufrágio; os “sem-abrigo”, lembrados pelo Natal, mas a favor de quem – justiça lhe seja feita – o Presidente da República tem desenvolvido uma sistemática campanha de auxílio. Estranho e intrincado jogo este a três equipas à procura de um árbitro que lhes valha e ponha ordem no…relvado!Lisboa, 1 de dezembro de 2021