1 - O mês de agosto de 2022 ficou tristemente assinalado pelos fogos florestais que devastaram o Parque Natural da Serra da Estrela.
Foram muitos dias de fogo inclemente, com várias frentes de chamas em vagas alterosas, que causaram dor e prejuízos incalculáveis naquela que é uma das paisagens icónicas do nosso País.
Pessoalmente, fui tocado do ponto de vista emocional uma vez que conheço muito bem uma parte importante da área que foi mais atingida, à qual estou ligado por estreitos e antigos laços familiares. Na verdade, os meus bisavós maternos dispuseram em Valhelhas e Vale de Amoreira de um importante património que foi partilhado pelos seus quatro filhos, os quais, por sua vez, dividiram o que lhes coube em sorte pelos seus próprios herdeiros. Refiro-me ao Dr. João Monteiro Sacadura, que foi, na primeira parte do século passado, médico e delegado de saúde, na Guarda, onde também foi professor do Liceu. Casado com uma Senhora natural de Valhelhas – Dona Maria Augusta de Sena Belo Sacadura – reuniu um vasto e diversificado conjunto de prédios rústicos e alguns urbanos, parte dos quais ainda se encontram na titularidade de descendentes seus. Fui até há pouco tempo com o meu irmão proprietário de prédios em Valhelhas, uma aldeia lindíssima, virada à Serra e encaixada num estojo de tons verdes e atravessada pelo Rio Zêzere, onde, em boa hora, a Junta de Freguesia criou uma praia fluvial e um parque de campismo. Logo em 2013, vendemos as nossas propriedades confinantes com o Rio, uma das quais situada em frente da praia fluvial e do parque de campismo, que puderam assim valorizar-se com o aproveitamento dos terrenos da margem fronteira. Tendo presente o indiscutível interesse público resultante da utilização dessa área com vários hectares pela autarquia de Valhelhas, decidimos vendê-la à Junta de Freguesia, apesar de termos recebido proposta significativamente mais alta de um particular.
Prosseguimos o nosso projeto de, com natural tristeza, nos irmos desfazendo das restantes propriedades de que éramos titulares em Valhelhas. A razão residiu nas voltas que a vida dá. Residentes em Lisboa, com a vida aqui sediada, caminhando para velhos – no meu caso, já octogenário –, sem recebermos um cêntimo dos prédios de Valhelhas, obrigados pelo contrário a fazer despesas anuais com a limpeza de algumas das propriedades, decidimos que, apesar da beleza da aldeia e de algumas propriedades, apesar da ligação afetiva com o campo, o rio e a serra, o caminho racional deveria manter-se: alienar o que ainda tínhamos nas citadas freguesias. Apesar de já ali não sermos proprietários de um único hectare de terra, foi com tristeza na alma que acompanhámos o noticiário que narrava a tragédia da Serra da Estrela – Valhelhas, Vale de Amoreira e Sameiro, uma parte considerável da área do Vale Glaciar da Serra da Estrela envoltas em chamas. Manteigas ficou de luto, como o Presidente do seu Município nos transmitiu emocionadamente, num momento em que, segundo ele e na opinião de muitos outros autarcas e especialistas, a descoordenação no combate à voragem do fogo não permitira a eficácia exigível. Os meios humanos e em máquinas deslocados para a Serra foram em grande número e os operacionais deram provas de uma dedicação e coragem exemplares. Mas o problema reside, como quase sempre acontece em Portugal, na gestão: nas deficiências na coordenação e no combate, no conhecimento, que se exige detalhado, da orografia do terreno e das características do teatro das operações. O número enorme de reacendimentos, a falta de um rescaldo eficaz e, muito em especial, a não identificação e detenção atempadas dos autores do crime de fogo posto, são outros “senões”. Mas seria injusto esquecer as dificílimas condições em que decorreu o combate, à frente das quais coloco a seca extrema que o País vive. A ela se deve, por certo, a fácil deflagração de focos de incêndio, a velocidade na sua propagação e os multiplicados reacendimentos.
Felizmente foram muito poucas as vítimas dos muitos fogos florestais que agosto nos trouxe. Mas podiam ter sido muitas, tendo presente o pavoroso mar de chamas que a cada episódio se levantava contra gentes e terras, animais e habitações. Devo dizer, no entanto, que até aprecio a naturalidade e a capacidade de diálogo, simples e frontal, do novo Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro. Parece-me um homem bem intencionado e trabalhador, de trato simples e sincero. Oxalá tenha sorte.
2 – Completaram-se hoje, dia 24 de agosto, seis meses de guerra na Ucrânia. Também hoje é o “Dia da Independência da Ucrânia”. Receava-se por isso que a data fosse lembrada pela Federação russa através da intensificação dos ataques ou de uma ação de particular impacto mediático e de trágicas consequências. Os factos acabam de demonstrar quão acertados eram esses temores, para cuja possível ocorrência o Presidente Zelensky vinha alertando. Acabo de ser interrompido, na escrita deste texto, pela notícia, ouvida na televisão, de que ocorreu um ataque russo à estação ferroviária de Dnepopetrovsk, na região de DNIPRO, do qual resultou um grande número de vítimas: no mínimo 22 mortos e 50 feridos. Assim foi recordada pelos invasores a data que o país invadido celebrava com júbilo. Consequência talvez de a Ucrânia vir recuperando a inciativa militar com ataques à Crimeia e a outras regiões ocupadas pelos russos, assim demonstrando um sensível acréscimo de capacidade bélica, certamente viabilizada pelos equipamentos mais sofisticados cedidos pelo Ocidente.
3 – Uma palavra final para dois temas que muita tinta vão fazer correr: as eleições em Angola, que decorrerem hoje mesmo, e as eleições no Brasil, a realizar em outubro. Ouvi uma entrevista na CNN Portugal com o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior. Apreciei a clareza do discurso e das ideias. Trata-se de um homem com um nível muito superior ao que é costume encontrar entre políticos africanos (tal como entre os europeus, aliás…). Mas isso nada quer dizer em matéria de resultados eleitorais. É que aí “valores mais altos (no caso, bem mais baixos) se levantam”. Aguardemos, sem grande esperança. A minha convicção é a de que se vai manter a “putinização do regime”, nas palavras de Marcolino Moco, que foi primeiro-ministro de Angola pelo MPLA, tendo agora aderido ao projeto de Adalberto Costa Júnior (cfr. a entrevista publicada no “Público” de 23 de agosto).
Entretanto, também ouvi a entrevista de Jair Bolsonaro à “Globo”. Que lástima! Que indigência! Como é triste que o Brasil, terra-mãe de grandes intelectuais e artistas, pátria de Juscelino Kubitsheck e de Fernando Henrique Cardoso se veja na contingência de escolher entre um Lula e um Bolsonaro. “Triste samba de duas notas só”!
Lisboa, 24 de agosto de 2022