Evocar o casal misto no seio da nossa sociedade é tomar consciência da fragilidade daquilo que constitui a entidade-casal na nossa época.

Evocá-lo pode ser, ao mesmo tempo, uma oportunidade para reflectir sobre a vivência a dois, num mundo em mutação. A fragilidade da escolha Já lá vai o tempo em que se era mal visto, penalizado mesmo, se se casasse fora da sua terra. A realidade das migrações interiores e exteriores alterou profundamente os comportamentos de escolha da futura esposa ou futuro marido. Casar fora da terra de origem, mas sobretudo casar com uma pessoa estrangeira, seja ela de cor negra, ou de qualquer outra raça, ou de outra religião, é uma realidade quase constante nos nossos dias. A noção de aldeia, terra de origem desapareceu para dar lugar a uma entidade nova que confina com o mundo do trabalho, da solidão, mas também com o desejo de refazer uma vida a partir de zero. As referências a valores fabricados pela pressão social aldeã ou comunitária não encontram eco num mundo onde o cidadão vive num planeta sem fronteiras. É-se livre de escolher sem o olhar repreensivo ou autorizado dos pais, e, por vezes, o objecto da nossa escolha vai cair num elemento que, não sendo da nossa aldeia, da nossa terra de origem, também não é da nossa comunidade em geral. O (a) companheiro(a) escolhido(a) é um(a) estrangeiro(a), em todo o sentido da palavra.  É o designado casal misto.A fragilidade do casal misto Fundar um casal misto significa efectuar uma ruptura em relação às comunidades de cada um dos nubentes. A rejeição exterior é quase uma reacção natural quando se observam hábitos, posturas, linguagens que não fazem parte daquilo que nos é peculiar. Por outro lado, passada a fase da lua de mel, em que o factor estrageiro era atraente, exótico, excitante, começam-se a sentir dentro do próprio casal os efeitos da estigmatização do casal misto. Por vezes, é difícil resistir ao olhar curioso, desdenhoso, repreensivo ou mesmo insultante dos que gravitam ao redor. E esta é uma fase decisiva. A ruptura com a comunidade de origem é quase semelhante à que é feita em relação à família. Ou se assume para dar lugar a uma entidade nova que é a de se viver como casal, de se apresentar como casal, ou, não resistindo ao embate social, estiola-se, pouco a pouco, levando a um período novo de adaptação ou, se, por vezes,  não for conseguido, ao divórcio. A fragilidade de todo e qualquer casal A aprendizagem de viver como casal é, na verdade, a mesma quer se trate de casal misto ou não. No casal normal, o outro é também um estrangeiro, com o seu mundo próprio, com os seus valores de referência e até com a sua própria linguagem que leva o seu tempo a descodificar.  É evidente que a alteridade é mais reveladora num casal misto, mas é dentro do próprio casal que a alteridade tem de ser vivida. O outro, embora vivendo o dia a dia connosco, é diferente de nós próprios e tem direito a sê-lo. O casamento não é uma comunhão de seres idênticos. É uma caminhada à procura de alguém que nos pega no braço para o irmos descobrindo ao longo da nossa vida. E a aventura desta caminhada não deveria existir em qualquer casal, seja ele misto ou não?