Pontos de Vista

Tentámos, neste ano diferente, gozar as férias habituais em agosto. Habituais não foram. Nem podiam ser! Os longos tempos de confinamento, as informações diárias com os números sobre os novos infetados e os óbitos ocorridos, a evolução da pandemia por todo o mundo, o acréscimo de novos casos em Portugal, nomeadamente na “grande Lisboa”, bem como em países próximos e amigos, a querela sobre o advento de uma segunda vaga, as notícias acerca da(s) vacina(s) em preparação, as exigências acrescidas a respeito do uso das máscaras e do distanciamento social, a supressão dos festivais de verão, a diminuição sensível do número de emigrantes em visita às suas famílias e às suas aldeias natais, o encerramento, só agora levantado, do “corredor” para turistas oriundos de Portugal por parte do Reino Unido, as queixas dos empresários do turismo, da restauração e da diversão noturna, as previsões sempre e cada vez mais pessimistas sobre a evolução da economia, a extinção das festividades religiosas pela generalidade das freguesias de norte a sul, as tragédias nos lares transformados em cemitérios de muitos idosos ali recolhidos, tudo isso e muito mais que agora não vale a pena repetir, deixou rastos de amargura e receio num país de  gente cada vez mais triste e preocupada com o Outono que se aproxima. Na Praia das Maçãs, onde, como de costume, me vim acolher em agosto, não haverá este ano, a procissão da Nossa Senhora da Praia, acontecimento religioso que congrega milhares de pessoas vindas das freguesias e dos concelhos contíguos e que decorre sempre no último domingo de agosto, evento que  culmina com a entrada espetacular, ondas adentro, dos andores dos Santos  levados aos ombros por surfistas, nadadores-salvadores, pescadores  e rapazes da terra. Esta festividade, cartão de visita desta terra, foi cancelada por compreensíveis razões de prevenção sanitária, justificadas pelo Covid 19.Alegrem-se, porém, os frequentadores da Festa do Avante, a qual, segundo parece, será realizada pelo PCP, com o patrocínio das autoridades de saúde pública e as bênçãos do Governo.  E ainda os comunistas se queixam de discriminação…! Os que o puderam fazer foram para a praia apanhar sol, dar uns mergulhos, comer uns petiscos e beber umas cervejas (sempre com o necessário distanciamento social). As crianças andaram de bicicleta, saborearam os seus gelados e deram umas vigorosas braçadas, enquanto alguns pais acompanhavam pela televisão as transmissões dos jogos da “Final Eight”, disputados em dois estádios vazios de Lisboa. Uma boa parte da população, sentada em frente das televisões, foi bombardeada durante um mês pelas intermináveis novidades das transferências para o S.L. Benfica (SLB), intoxicados pelo folhetim interminável da negociação do atacante uruguaio Edinson Cavani para o “soberano” SLB. As aquisições de passes de jogadores por ele concretizadas, sonhadas ou falhadas, atingindo cifras de largas dezenas de milhões de euros, alcançaram níveis de alienação e histeria. Jornalistas e comentadores desportivos, esfalfaram-se num frenesim ferozmente competitivo entre as diferentes estações, anunciando os negócios concretizados, desejados ou frustrados. Tudo começou com a história do recrutamento de Jorge Jesus, o anterior inimigo público nº 1 das águias, agora “subtraído” ao Flamengo e trazido “para casa” em avião fretado pelo presidente do SLB. Entretanto, o tal Cavani, anunciado como uma aquisição certa, parece que não virá. Mas chegaram Pedrinho, Cebolinha, um alemão e um holandês credenciados mais um brasileiro desconhecido… e anunciam-se mais cinco ou seis reforços, pelo menos… Jorge Jesus quer jogar pelo seguro. E Luís Filipe Vieira também, pois está em causa a sua vitória eleitoral, esse salvo-conduto para a sua liberdade nos próximos anos.Entretanto, e com muito mérito, o Bayern de Munique venceu a final da Champions com o Paris Saint Germain, num jogo disputado num despido estádio da Luz. Dois dias antes o Sevilha de Julien Lopetegui derrotara, na Alemanha, o Inter de Milão, na final da Taça da Europa. Os nossos jornalistas e comentadores desportivos deviam sentir vergonha pelas críticas injustas e impiedosas com que zurziram Lopetegui quando foi treinador do F.C. do Porto. A campanha do Sevilha nesta Final Eight da Liga da Europa é a prova provada da capacidade do treinador basco.No plano político, o mês de agosto, em especial a sua segunda semana, foi um tempo muito feliz para o Presidente da República (P.R.). Os vetos que formulou foram perfeitamente adequados e mereceram gerais elogios.Recordar-se-ão os meus leitores da censura severa que aqui deixei sobre a redução dos debates parlamentares com a presença do 1º Ministro que passaram de quinzenais para bimensais. Alteração da responsabilidade do PSD e do PS, que ficou vertida no Regimento da A.R. Com essa redução, que reduziu as possibilidades de escrutínio parlamentar sobre os atos do governo num momento de particular sensibilidade, foram também reduzidos os debates parlamentares sobre a Europa. Por outro lado, reduziram a possibilidade ou a obrigatoriedade de debater em plenário petições de cidadãos.Pois o PR vetou a decisão sobre os debates europeus e ainda o diploma referente às petições populares. Quanto aos debates com a presença do primeiro-ministro, o P.R. não tinha poderes para intervir, uma vez que se tratava de uma disposição incluída no próprio Regimento da A.R. Mas, como bem salientou a generalidade da comunicação social, merece registo “o facto de ter sido o P.R. a impedir que Parlamento e Governo diminuam a já de si reduzida capacidade de debater” – ver, v.g. António Barreto, “A democracia tem medo”, no “Público” de 15 de agosto, P2, pág. 3.Também o veto presidencial sobre a “regionalização do mar”, aprovada por PS, PAN, IL e cinco deputados do PSD, com a abstenção das outras bancadas, mas com a oposição de doze deputados socialistas entre os quais a anterior ministra de Mar, Ana Paula Vitorino, mereceu bom acolhimento geral. Também relevante o bom senso do apelo que fez sobre a escalada das provocações de caráter racista a que o país assistiu nos últimos tempos. Golpe de sorte para ele e para as câmaras de televisão presentes na Praia do Alvor, foi quando, feito nadador-salvador, prestou auxílio a duas jovens em perigo no mar.Já António Costa tem tido um infeliz fim de agosto. Na sequência da desastrada entrevista da ministra Ana Mendes Godinho ao EXPRESSO acerca do relatório da auditoria da Ordem dos Médicos (OM) sobre o lar de Reguengos de Monsaraz, onde ocorreram 18 óbitos, o primeiro-ministro acusou a Ordem de exorbitar das suas competências e, numa conversa em off  (mas que não deveria ter sido divulgada), terá dito aos jornalistas que o tinham entrevistado que “o presidente da ARS mandou para lá os médicos fazerem o que lhes competia e os gajos, covardes, não fizeram” – cfr. André Lamas Leite, “Público”, de 25 de agosto, pág. 9.É que, afinal, nem a todos agosto corre a…gosto!Praia das Maçãs, 26 de agosto de 2029.