Pontos de Vista
ELEIÇÕES EUROPEIAS

No nosso País, os resultados das eleições para o Parlamento Europeu não foram propriamente surpreendentes. Pelo menos para mim! Quem se quiser dar ao trabalho de comparar o exercício de previsão que fiz antes do início da campanha eleitoral com os resultados finais, concluirá que, no essencial, não me enganei. Reconheço que não previ, em toda a sua expressão, a emergência do fenómeno "Marinho Pinto”, à cabeça do MPT. Mas quem é que o previu? Tratou-se de um acontecimento eleitoral totalmente inesperado, tendo presente a dimensão que atingiu. Mesmo assim, não deixara de alertar para “uma possível excepção” entre os restantes movimentos concorrentes às eleições, para além dos partidos com assento parlamentar. Pensava, sem o mencionar, na eventual capacidade de aglutinação do descontentamento e da revolta populares, em suma do protesto social, de que seria capaz um candidato, com muita notoriedade nacional, dotado de assinaláveis dons de comunicação e arauto de um justicialismo populista que cativa pela palavra desassombrada e convicta e pela força dos seus temas predilectos: as insuficiências da Justiça, a defesa da transparência da Administração e a luta contra a corrupção.
Ora, em períodos como aqueles que estamos a viver, de grave crise social e de descrédito da classe política e dos políticos em geral, o povo, garrotado por sucessivas medidas de austeridade, revolta-se logicamente contra a impunidade dos corruptos que proliferam e prosperam, como verdadeiras sanguessugas do seu sustento. É natural que, em situações destas, os cidadãos fiquem particularmente sensíveis à lepra da corrupção, disseminada por personagens sem honra, ambiciosas e sem escrúpulos, alapadas aos partidos políticos dominantes, enriquecendo à custa de golpes oportunistas, quando não de fraudes e roubalheiras. Recorde-se o paradigmático “caso BPN”, com o envolvimento e o protagonismo de figuras políticas proeminentes.
É natural que este voto de indignação tenha sido captado, em grande parte, por uma figura carismática como Marinho Pinto, que conseguiu para o MPT a surpreendente votação de 7,15% e a eleição de dois deputados. Mas o voto de protesto foi também canalizado para a CDU, com um muito bom resultado eleitoral de 12,68% e com três deputados eleitos, bem como para a elevadíssima taxa de abstenção (superior a 66%), e para os votos brancos (4,41%) e nulos (3,06%).
Os partidos da coligação do Governo (PSD e CDS) sofreram o inevitável e merecido castigo eleitoral, com uma votação global de 27,71% e sete deputados eleitos. A vitória coube, como era inevitável, ao PS (com 31,46% e oito deputados), um resultado que, embora superior em 3,75% ao da “Aliança Portugal”, ficou, ainda assim, bastante abaixo do que lhe era prognosticado pela generalidade das sondagens. O que revela que o PS não soube captar o capital de descontentamento resultante de três anos de governação draconiana e impopular, marcada ainda pela instabilidade da coligação governamental, como sucedeu durante o Verão do ano passado com a crise provocada pela “demissão irrevogável” de Paulo Portas. Ou seja: em vez de recolher, como era expectável, parte do “voto de protesto”, o PS também foi vítima do mesmo. Para esse facto contribuíram, a meu ver, os dois factores seguintes: as responsabilidades da “governação Sócrates” no desgoverno financeiro a que o País chegou e as evidentes fragilidades da actual Direcção do Partido, nomeadamente, a manifesta falta de carisma de António José Seguro.
A crise levantada no PS pela disponibilidade manifestada no dia 27 de Maio por António Costa para assumir a chefia do Partido, revela, com meridiana evidência, a insatisfação de uma grande parte dos seus responsáveis relativamente à personalidade do actual líder.
Imagino como Pedro Passos Coelho e Paulo Portas devem estar apreensivos com a possibilidade de mudança do líder no principal partido da oposição e a eventual ascensão de Costa ao cargo de Secretário-Geral do PS. É que não duvido, por um segundo, que ambos prefeririam disputar as legislativas contra Seguro do que contra Costa!
Permita-se-me uma pequena piada, que acaba de me ser contada por um amigo: aludindo ao apelo de Seguro dirigido, na noite eleitoral, ao Presidente da República, pedindo-lhe que tirasse as devidas ilações dos resultados eleitorais - da “histórica derrota da Direita e da grande vitória do PS” -, esse meu amigo acrescentava: “Quem me parece que ouviu o apelo foi o António Costa. O António Gosta de ser líder do PS! Há muito tempo que Costava!”.
O futuro dir-nos-á se Seguro irá aceitar o repto e disputar a liderança em eleições internas, num Congresso Extraordinário. Se o não fizer, ficará inevitavelmente ainda mais fragilizado.
Voltando aos resultados das eleições a nível nacional, o BE teve uma derrota significativa, já esperada: ainda deu uma prova de “vida” com a eleição de Marisa Matias. Perdeu, no entanto, dois deputados e não chegou aos 5%.
Uma palavra final para os resultados das eleições por essa Europa fora. O acontecimento mais significativo, a exigir muita reflexão, foram as vitórias ou as subidas espectaculares em muitos Países dos partidos de extrema-direita, eurocépticos ou antieuropeus. E, com extrema gravidade, o fenómeno da entrada no Parlamento Europeu de um grupo de eleitos com ideias fascistas, racistas e anti-semitas.
Particularmente mediático foi o terramoto político que varreu a França, com a vitória já aguardada da “Frente Nacional” (FN), de extrema-direita, de Marine Le Pen, com mais de 25%, à frente da UMP (partido de centro-direita de Nicolas Sarkozy, com 20,6%), e com a humilhação do Partido Socialista do Presidente François Hollande, que teve de se contentar com o resultado de cerca de 14%. Mas também no Reino Unido, o antieuropeísta Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) venceu as eleições e os tradicionais partidos britânicos – o Partido Trabalhista, o Partido Conservador do primeiro-ministro David Cameron e os Liberais-Democratas -, elegendo vinte e quatro deputados, mais onze do que em 2009. Fenómenos do mesmo tipo ocorreram ainda, e pelo menos, na Dinamarca, na Áustria, na Holanda, na Polónia ou na Finlândia. Em Espanha, o aparecimento de novas forças pode pôr fim ao bipartidarismo. Na verdade, o Partido Popular, no poder, e o PSOE, principal partido da oposição, não foram além dos 50%. Na Grécia ganhou o partido da extrema-esquerda Syrisa e, em terceiro lugar, ficou o partido neonazi “Aurora Dourada”.
Na própria Alemanha, os neonazis do Partido Democrata Nacional, que concorreram com um programa anti-imigração, elegeram pela primeira vez um deputado.
No meio disto tudo, demo-nos por felizes pelo facto de grande parte do “voto de protesto” em Portugal ter sido canalizado para o MPT, um partido com raízes ecológicas, sob a liderança de um homem truculento mas de formação democrática. Mas a Europa que se cuide!