Creio não errar se disser que as rosas e as camélias são as duas flores mais faladas.

Talvez pela beleza e pela variedade das suas formas. Mas, se são semelhantes na beleza e variedade, rosas e camélias são bem diferentes no odor e na época da floração. 

A maior parte das rosas exala um perfume que todos admiram; já as camélias não possuem qualquer odor, salvo algumas espécies singelas que espalham um odor que nem todos apreciam. Não sei se é em razão do perfume que encontramos com tanta frequência o nome “Rosa” – Rosa Maria ou Maria Rosa, Rosália, Rosalinda, Rosenda ou Rosalina - no mundo nominal feminino, para não falar do sobrenome “Rosa” que também aparece com frequência, contrariamente ao que sucede com a Camélia. Amélias vão aparecendo bastantes, mas Camélias… Não conheço nenhuma.
Quanto à época da floração, bem, rosas e camélias são também muito diferentes. Se chega a Primavera e as rosas aparecem, já as camélias se vão sumindo com saudades do Inverno. Se o Outono empalidece e o Inverno se aproxima, são as cameleiras a florir e as roseiras a envelhecer. Se pudesse exagerar num animismo simplista, eu diria que camélias e rosas se desentendem na vida. Ou então, hipótese bem mais generosa, elas terão um acordo secreto para se revezarem no bem servir a beleza do mundo aos humanos mortais. Ainda que as rosas a sirvam com alguns espinhos.
Creio bem que quem quiser possuir um jardim colorido de flores grandes e variadas durante a maior parte do ano, roseiras e cameleiras poderão ser uma boa opção. Alternadamente, com pequenos intervalos de tempo, o jardim será florido: de rosas e camélias, de camélias e rosas. E o chão ainda poderá receber flores rasteiras: no Inverno os tradicionais amores-perfeitos; noutras épocas a opção é bem maior.
São muitas as espécies de cameleiras e roseiras, mas creio bem que as cameleiras são mais generosas na quantidade de camélias que, em cada floração, oferecem aos olhos de quem as contempla. As roseiras nem sempre serão tão generosas na quantidade de flores em cada floração, mas talvez sejam mais generosas na multiplicidade das cores: desde as brancas até às invulgares rosas negras, naturais ou artificialmente criadas, elas vão-se revestindo de todas as cores.
Mas onde a rosa ganha sem dúvida à camélia é na simbologia que empresta à vida e ao pensamento humano. Ao contrário do que poderá acontecer nos países do Extremo Oriente de onde ela proveio, no Ocidente, por mais que admiremos as suas formas, as dimensões e as suas cores, a camélia não possui grande peso simbólico, embora seja sabido que ela aparece como símbolo do movimento que visou a abolição da escravatura. Já a rosa… bem, a rosa, com as suas cores e formas, beleza e perfume, será talvez a flor mais simbólica no mundo ocidental. Mesmo na vida corrente as cores das rosas se assumem como símbolos bem conhecidos. Todos saberão que a rosa branca é símbolo de inocência, pureza e paz; que a rosa vermelha é símbolo de amor, paixão e adoração; que a rosa amarela simboliza a felicidade e que a rosa laranja simboliza entusiasmo e desejo. E isto para não alongarmos a enumeração nem referirmos o simbolismo da conjugação das cores na mesma rosa ou num ramo de rosas.
Se nos orientamos na Terra através da Rosa-dos-ventos, também o rosário é um ramo de rosas que se vão abrindo em cada conta rezada, e a rosácea das catedrais, em que se cruzam tradições culturais variadas, é o Sol que ilumina a vida dos seres humanos desde o nascimento até à entrada na eternidade.
Se considerarmos a ladainha cristã de homenagem e súplica a Nossa Senhora, encontramos treze figuras simbólicas de invocação mariana cuja significação não será actualmente fácil de entender: Espelho de justiça, Sede de sabedoria, Causa da nossa alegria, Vaso espiritual, Vaso honorífico, Vaso insigne de devoção, Rosa mística, Torre de David, Torre de marfim, Casa de ouro, Arca da aliança, Porta do céu e Estrela da manhã. Lá está: numa delas a Virgem Maria é invocada como “Rosa mística”. Se a rosa pode ser considerada a flor das flores porque nela se sintetiza na perfeição o que caracteriza uma flor da natureza – forma, cor, perfume – a Virgem Maria é “Rosa mística” porque ela possui, de forma integral e plena, tudo aquilo que representa a perfeição da vida espiritual.
Gil Vicente (1465-1536) termina o Auto da Feira (1527) com um belíssimo poema, que Carolina Michaëlis considera uma das cem melhores poesias líricas da língua portuguesa. Não se sabe bem se é uma criação do próprio Gil Vicente ou se ele se apropria de uma cantiga tradicional anónima. Nem isso importa, para o efeito. E o efeito é a celebração do Natividade de Jesus. Aqui deixo o poema conforme a grafia moderna sugerida por aquela especialista:

Branca estais colorada,
Virgem sagrada!

Em Belém, vila do amor,
Da rosa nasceu a flor!
Virgem sagrada!

Em Belém, vila do amor,
Nasceu a rosa do rosal!
Virgem sagrada!

Da rosa nasceu a flor:
Jesus, nosso Salvador!
Virgem sagrada!

Nasceu a rosa do rosal:
Deus e homem natural!
Virgem sagrada!

É Dezembro no jardim da natureza.
Enquanto observo as roseiras a pedir poda e admiro a beleza das camélias a abrir, há outra Flor a nascer da Rosa do rosal de Belém! De Belém, vila do Amor!
Um Santo Natal.
Guarda, 11 de Dezembro de 2019.