A linha de caminho-de-ferro da Beira Alta,

foi ao longo dos seus cento e vinte e dois anos de existência, considerada pela gente que por aqui ainda reside, um pilar na mobilidade. Estou a referir-me atualmente na deslocação frequente de pessoas para os grandes centros, por força do trabalho, da formação ou da saúde, como também ainda recordo a importância que teve em tempos idos, no escoamento dos produtos agrícolas que aqui se produziam, bem como na logística fornecida através de bens vindos de outras paragens, devido à escassez que por aqui havia. Penso, e não devo estar muito longe da verdade, que foi o comboio que nos facilitou o acesso ao sal, bem como ao pescado marítimo em condições aceitáveis, dada a diferença abismal do tempo gasto na viagem entre este meio de transporte e os anteriores almocreves.
Ao logo da sua existência, sofreu várias alterações, quer em material circulante, quer em estruturas fixas, se bem que no meu ponto de vista, a mais importante tivesse acontecido no ano de 1996, com a sua eletrificação bem como a sinalização automática, que colocou a Guarda a quatro horas e pico de Lisboa, com a comodidade própria de um Intercidades.
As regalias que citei, também tiveram o reverso da medalha, pois o utente para usar desta rapidez que foi disponibilizada, também sofreu um aumento no custo do bilhete, relacionado com o aumento da velocidade no percurso.
Fui um daqueles que bati palmas a este progresso, pois reduzia para metade o tempo das deslocações.
Ora o que me faz escrever agora, é o completo desleixo que esta linha está a sofrer. As composições são as mesmas, pelo que demonstram já alguns sinais de degradação provenientes da idade e do uso, o serviço prestado a bordo aumentou em preço e baixou em qualidade. No entanto, o mais grave passa-se com o material fixo, carris, travessas, pontes, túneis e tudo o resto que carece de manutenção local. O abandono propicia constantes descarrilamentos, dado que a mesma linha também serve de passagem a grandes composições de mercadoria pesada, com destino aos restantes países da Europa.
Como a linha não foi preparada para esta tonelagem, acaba sempre por rebentar num ponto mais fraco. Com verdade se diga, normalmente estes acidentes não são de grandes tragédias, pois não trazem pessoal a bordo, mas causam constantes perturbações aos passageiros, em virtude de transbordos rodoviários, bem como dos atrasos que daí advêm.
Já há quem me diga que é por interesse público que isto acontece, dado que quanto pior for o seu estado mais interessados terá na prevista privatização, pelo que há vantagem em minorar o seu valor.
Não posso pôr as mãos no lume por esta afirmação, todavia é bem visível a deficiente qualidade que a linha da Beira Alta nos presta. Provoca-nos transtornos a que já não estávamos habituados. Claro que quando os serviços pioram e o seu uso sobe de custo, por mais paciência que se tenha ninguém fica calado. Estou como dizia o Zé Maria, não há condições.
Vivemos num país onde ninguém assume qualquer responsabilidade sobre o que é público, onde o Governo dá a devida conivência, pois se as vozes se levantarem a dar eco desta situação aparece logo o cérebro mais iluminado de São Bento a dizer que o problema já vem dos governos anteriores e de que em nada está comprometido. Claro que também me apetece perguntar se a manutenção atual ainda está a cargo de outras cores políticas da governação.
Toda a gente se apercebe que os atrasos da linha da Beira Alta nestes três últimos anos passaram de esporádicos a quotidianos, e dentro desta vertente, porque não a empresa “Comboios de Portugal” passar a emitir títulos de transporte sem o acréscimo da velocidade, uma vez que não consegue fornecer ao cliente o produto que está a vender. Claro que nada mudará, e à velhinha maneira portuguesa, o zé-povinho continua a comprar gato por lebre. Ficaria muito satisfeito se alguém, com argumentos, me fizesse calar.