Terminamos o tempo pascal com a celebração da solenidade do Pentecostes.
Na liturgia da Palavra, à semelhança do que aconteceu na semana passada, encontramos novamente uma discrepância quanto à data destes acontecimentos. Enquanto que João, no Evangelho, diz que o Ressuscitado sopra o Seu Espírito sobre os discípulos logo na tarde do dia da Páscoa, Lucas, no livro dos Actos dos Apóstolos, descreve um acontecimento extraordinário ocorrido cinquenta dias depois. Notemos que João, teólogo por excelência, quer salientar a unidade indivisível do mistério pascal: a ressurreição, a glorificação de Jesus na ascensão, e a doação do Espírito Santo. Lucas, exímio narrador, por sua vez, descreve gradativamente os factos, distinguindo-os cronologicamente, de modo a que se percebam melhor. De facto, não tem a intenção de desfazer a unicidade teológica dos acontecimentos, mas realçar as suas novidades, utilizando uma linguagem rebuscada e vibrante. Porquê este tipo de linguagem?
Não é fácil expressar por palavras a grandeza de acontecimentos que nos transcendem! Os autores sagrados têm muitas vezes de se socorrer de imagens rebuscadas e comparações vibrantes para expressar a acção de Deus entre os homens. Por exemplo, na festa do Pentecostes judaico lembrava-se a entrega das Tábuas da Lei a Moisés, no cimo do Sinai, entre um “espectáculo de trovões, relâmpagos e da montanha fumegante” (Êx 20, 18). E é precisamente na linguagem do Êxodo e do Génesis que Lucas se inspira para descrever o primeiro Pentecostes ocorrido depois da Páscoa da Ressurreição. Naquele dia, para Lucas, a “forte rajada de vento” e a “espécie de línguas de fogo” que os discípulos virão aparecer (Act 2, 2-3), contextualizam a entrega da Nova Lei. E a pluralidade de línguas com que os discípulos se expressam, inverte a confusão das línguas ocorrida na Torre de Babel (Gén 11, 7-9).
Com este tipo de linguagem simbólica, recorrendo ao vento e ao fogo, Lucas quer ensinar que a partir do Pentecostes, a partir do dom do Espírito do Ressuscitado, a Lei já não é a das Tábuas de Moisés, mas a Lei do Espírito Santo. A partir da Páscoa de Jesus Cristo, a salvação já não vem do cumprimento das prescrições judaicas, mas da vivência da Lei do Amor que o Espírito semeia no coração dos crentes. As coisas antigas são purificadas pelo fogo do Espírito. E quem quiser perceber a unidade indivisível da nova realidade pascal, terá de se deixar tocar por este Espírito transformador. Quem quiser perceber as intuições do Espírito terá de se deixar varrer por este vento que sopra onde quer (Jo 3, 8), que renova todas as coisas e é capaz de unir a diversidade das línguas (Act 2, 4), e ensina toda a Verdade (Jo 16, 13).
Senhor Jesus, sopra sobre mim e concede-me o Espírito Santo! Vem, Espírito de Amor, e semeia a caridade no meu coração. Vem, Espírito da Verdade, e ensina-me toda a verdade. Vem, fogo ardente, e purifica a minha vida. Vem, Espírito de unidade, e une na profissão da mesma fé todas as línguas. Vem, Espírito de Deus, e concede-me a paz.
Amén.