Hoje continuamos a escutar o chamado ‘sermão da planície’ do evangelho de Lucas.
É o texto paralelo ao chamado ‘sermão da montanha’ do evangelho de Mateus. Neles Jesus apresenta o código de vida que os seus discípulos devem seguir. Nesta página em concreto, escutamos a parábola da ‘trave e do argueiro na vista’. Apesar de ser tão pequena, ela traduz uma imagem forte e uma mensagem importante, que se pode entender ainda melhor à luz das afirmações de Jesus, lidas no final do evangelho de há oito dias: “Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados. Dai e dar-se-vos-á” (Lc 6, 36-38). Reforçando a necessidade de não fazer juízos precipitados ou erróneos, pergunta-nos Jesus: “Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua?” (v. 41).
Esta tentação de reparar com mais facilidade nos defeitos dos outros não é de agora. Sempre existiu, e continuará a existir, porque é mais fácil criticar os outros do que fazer um exame de consciência, ou esforçarmo-nos por corrigir os próprios erros. Podemos dizer que cada um de nós é como que uma espécie de juiz ‘de bancada’. Fazemos das nossas certezas um código de leis. Transformamos as nossas praças em autênticos tribunais. Utilizamos as redes sociais, quais autênticas secretarias judiciais, para proferir sentenças. Com uma ligeireza que assusta, rotulamos as pessoas com quem nos cruzamos diariamente. Para tudo e todos, usamos pré-conceitos, generalizações, extrapolações, tomando o todo pela parte. E, como se não bastasse, usamos dois pesos e duas medidas: aos outros exigimos toda a perfeição, enquanto que connosco somos mais brandos. Assim se condenam os outros e se desculpam os próprios erros.
Por mais que nos esforcemos por evitar tudo isto, continuará a ser sempre mais fácil ver o pequenino argueiro no olho do vizinho, do que a trave que existe no nosso. Jesus, constatando esta quase inevitabilidade, indica-nos qual o esforço a fazer. E mais uma vez, como temos visto nos últimos domingos, vai contra os ‘normais’ critérios da lógica humana e da corrente dominante. Em vez da crítica, do ‘disse-que-disse’, da fofoquice, da bisbilhotice, convida a perdoar as ofensas do próximo. Em vez do ciúme e do rancor, convida a sarar a ferida que uma discussão, uma diferença de opinião, uma zanga, uma herança, um amuo, deixou aberta. Ontem, como hoje, Jesus convida a tirar da nossa vista a trave do orgulho, da vaidade, da inveja, do ressentimento. Pois, só com vistas limpas e coração puro, poderemos ajudar-nos mutuamente a ir tirando, uns dos outros, os pequenos argueiros.
Senhor Jesus, como são exigentes as tuas palavras! Mesmo com esforço e dedicação, é difícil cultivar a arte da humildade, da verdade, do perdão, da generosidade e da bondade para com o próximo. Tu, que conheces melhor que nós próprios as nossas misérias, ajuda-nos a tirar da nossa vista as traves que nos impedem de ver como Tu: com misericórdia e compaixão.
Amén.