Chegamos ao centro do evangelho segundo São Marcos.
E isso num duplo sentido: porque estamos no capítulo oitavo dos dezasseis que compõem este evangelho, mas sobretudo porque entramos num momento central, decisivo sobre a revelação da identidade de Jesus e das condições para O seguir.
No ponto de passagem entre a sua acção na Galileia e o seu caminho para Jerusalém, Jesus coloca aos discípulos duas questões: «quem dizem os homens que eu sou?»; «e vós, quem dizeis que eu sou?». Jesus faz estas perguntas enquanto caminham e, portanto, na ausência de testemunhas. Com isso se demonstra quão delicadas elas sejam, e como é estreita e baseada sobre a confiança a relação entre Jesus e os discípulos. É a única vez que uma pergunta tão pessoal é feita por Jesus («quem dizeis que eu sou?»), mais um sinal de que aqui se verifica, de facto, qualquer coisa de especial.
Chega ao fim a etapa da sua acção na Galileia e, segundo o ‘inquérito’, a maioria das pessoas é da opinião que Jesus é um verdadeiro profeta, um homem enviado por Deus e que difunde com sucesso a palavra e a vontade de Deus; os discípulos, por sua vez, vão mais longe: Ele não é um profeta entre muitos, mas sim o próprio Messias (o Ungido), o rei definitivo que Deus dá a Israel e que como um pastor se ocupa deste povo e o guia à liberdade, à paz e à prosperidade.
Em época de eleições, qualquer candidato ao poder ficaria entusiasmado com esta sondagem. Mas Jesus ‘joga noutro campeonato’: o seu Reino não é deste mundo. De modo a evitar falsas expectativas, energicamente, deu ordem aos discípulos para “que não falassem d’Ele a ninguém”. Toda a segunda parte do evangelho de Marcos mostra aquilo que falta: os discípulos (e nós com eles) devem ainda aprender e aceitar que Jesus é o Messias esperado, mas é-o de um modo totalmente inesperado: um Messias que aceita percorrer um caminho de sofrimento, rejeição e morte para entrar e nos fazer entrar, como Rei vitorioso e bom, na Vida definitiva e feliz, no Céu de Deus.
Este modo inaudito de ser rei morrendo como um escravo, de perder a própria vida para salvar a dos outros, não cabe na cabeça de Pedro. Nem na de qualquer outro ser humano. Entrar na lógica de Jesus, que é a lógica do nosso Deus, exige um modo novo de pensar, uma conversão, uma inversão de valores. A reacção de Pedro e a dura resposta de Jesus, mostram que quem pretende ser cristão continuando a pensar à maneira dos homens, acaba por pensar à maneira de Satanás: “Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus mas só as dos homens”.
Pedro quis ensinar Jesus, quis ser mestre do Mestre e fez uma triste figura. Naquele instante, deixou de ser discípulo. E Jesus, numa demonstração de respeito pela liberdade humana que não encontra precedentes na história, admite a possibilidade que nenhum ser humano O queira seguir. Apesar de tudo, arrisca e lança o desafio: “se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me”. É possível ser cristão, ser discípulo de Jesus, para quem está disposto a apostar tudo: o próprio ‘eu’, os seus desejos e pretensões, devem ficar para trás quando está em jogo a comunhão com Jesus. Também a morte violenta, até mesmo a cruz, vai aceite se o exige o amor, a salvação.