Numa conhecida oração, pedimos a Deus o dom do Espírito Santo para que “apreciemos rectamente todas as coisas segundo o mesmo Espírito”. Se em todas as situações necessitamos de invocar o Espírito Santo, é indispensável fazê-lo neste Domingo em que Jesus nos apresenta uma mensagem desconcertante, exemplo concreto do que o Senhor afirma na primeira leitura: “os meus pensamentos não são os vossos”.
A parábola de um patrão que pessoalmente sai a convidar trabalhadores para a sua vinha e que ao fim da jornada paga o mesmo a quem não trabalhou o mesmo, é o meio escolhido por Jesus para descrever o Reino dos Ceús e, de certo modo, para nos dizer que a atitude do dono da vinha reflecte o modo de proceder de Deus.
Uma leitura apressada da parábola, lida com critérios humanos, dá a ilusão de que o dono da vinha foi injusto, sobretudo para com aqueles que trabalharam de “sol a sol”. Será Deus injusto? Ou, simplesmente, “tanto quanto o céu está acima da terra” assim estão distantes, dos nossos, os seus critérios de justiça e generosidade?
Para sintonizarmos com o modo de pensar próprio de Deus, além da luz do Espírito Santo, comparemos esta parábola com uma outra, aquela do filho pródigo. Ali, fala-se de dois irmãos, aqui de dois tipos de pessoas. Ali o protagonista é um pai que escandaliza o filho mais velho pelo excesso de bondade revelado para com o filho que o abandonara; aqui a personagem principal é um patrão que escandaliza alguns trabalhadores (e muitos cristãos?) pelo excesso de generosidade. O filho mais velho, ressentido, queixa-se de injustiça assim como os trabalhadores da primeira hora. O pai justifica a sua atitude pela alegria que sente em ver o filho vivo. E o patrão mostra que procedeu assim por pura generosidade: “serão maus os teus olhos porque eu sou bom?”
O que escandaliza, num e noutro caso, é o excesso de bondade e generosidade. E é isto que a nós nos desconcerta. Deus é de tal forma bom e generoso, o seu amor tão excessivo, que nos parece demasiado. E na verdade é! “Que é o homem para que vos lembreis dele?”
O filho mais velho da parábola do pai generoso e os trabalhadores da primeira hora são escravos da mentalidade do mérito e da recompensa, de quem vive na lógica do “dou para que me dês”. Desconhecem o significado da palavra gratuidade.
O patrão dirige-se ao trabalhador mal humorado tratando-o por “amigo”. Jesus dirá um dia aos seus discípulos: “já não vos chamo servos mas amigos”. A amizade é sempre gratuita. Todos sabemos que amizades por interesse não prestam. Com Deus muito menos.
Como os trabalhadores da primeira hora, podem alguns cristãos mais dedicados “às coisas da Igreja” alimentar uma mentalidade interesseira e escandalizar-se porque apesar de tanta dedicação a Deus, também têm doenças graves, familiares desempregados, incompreensões e sofrimentos vários. Não merecem melhor sorte que outros? E aqueles que não contribuem para o sustento do clero e as obras da Igreja, merecem ter missa no funeral e ser tratados por igual pelo pároco? Será isso injusto ou são os nossos olhos que são maus? A Igreja, para os padres como para todos os cristãos, é a vinha onde genesosamente trabalhamos e nos entregamos pela causa do Reino, ou um meio para subir na vida, reclamar direitos e somar méritos aos olhos de Deus e dos homens?