A liturgia da Palavra deste Domingo proporciona-nos falar sobre o chamamento que Deus faz aos que Ele escolhe para serem portadoras da Sua palavra.
É uma vocação específica dentro da vocação geral à santidade. Concretamente, estas leituras colocam-nos diante de algumas das dificuldades próprias da vocação e da confiança que é necessária para responder ao chamamento de Deus. Isaías, com o conjunto de imagens simbólicas que hoje descreve na primeira leitura, realça as dificuldades, os sentimentos e as dúvidas pelas quais passa quem é chamado a ser profeta, resumindo-as numa frase: “Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros” (Is 6, 5). Pedro, no Evangelho, sentindo a sua indignidade, diz a Jesus: “Senhor, afasta-te de mim, que sou um homem pecador” (Lc 5, 8). Paulo, olhando para a sua missão, considera que nem sequer é “digno de ser chamado apóstolo” (1Cor 15, 9). Porquê estes sentimentos?
Olhando a história das vocações na Bíblia, encontramos este ponto comum: os que são chamados por Deus, quando se apercebem da grandeza da missão que Ele lhes confia e da pequenez da sua própria fragilidade humana, reconhecem a sua indignidade. Assim aconteceu, por exemplo, com Moisés, que ao ser chamado a libertar o povo hebreu escravizado no Egipto, temendo o Faraó, e envergonhando-se da sua gaguez, diz a Deus: “Senhor, não sou um homem dotado para falar: tenho a boca e a língua pesadas” (Ex 4, 10). Jeremias, que teve de suportar enormes provações, diz: “Ah, Senhor Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um jovem!” (Jr 1, 6). E como estes exemplos, poderíamos recordar outros, porque esta é uma forma bastante comum de Deus agir: escolhe gente simples, como David, gente que habitualmente, e segundo os parâmetros da lógica humana, são considerados inaptos para desempenhar funções tão relevantes.
Qualquer vocação traz consigo dificuldades, gera dúvidas, dá lugar a medos, tem as suas exigências. Passar por estas provações faz parte da caminhada de discernimento, sem a qual não há maturação da decisão pessoal, nem pode haver autoconhecimento das capacidades e fragilidades de cada um. Os profetas, os apóstolos e os santos também percorreram esse caminho árduo e íngreme. E cada um de nós é chamado a percorrer, à sua medida, consoante a sua vocação, o mesmo caminho. A diferença é que muitos deixam-se ficar emaranhados no medo inicial, na dúvida persistente, na desconfiança própria, enquanto que os santos, reconhecendo a sua pequenez, a sua fragilidade, o seu pecado, confiaram as suas vidas nas mãos de Deus. Entregaram-se a Deus com tudo o que eram: com as capacidades, mas também com as fragilidades, sem soberbas, sem orgulhos, mas com confiança, na certeza de que Deus não escolhe os preparados, mas prepara os escolhidos.
Senhor Jesus, Tu, melhor que eu próprio, conheces os medos, angústias e dúvidas que tantas vezes me assolam. Tu conheces as minhas fragilidades e a minha pequenez. Peço-te: nos momentos em que elas me possam fazer vacilar, ou ter a tentação de me afastar de Ti, aproxima-te Tu de mim. E diz-me, como disseste a Pedro: «Não temas!». Toma-me como sou e torna-me como quiseres.
Amén.