O que é um cristão? Quem se pode considerar discípulo de Jesus?
Para evitar confusões e pretensões, Jesus, mais que uma vez, deixou claro que ser cristão é uma questão de vida, de opções e de atitudes, não de palavras: “nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu” (Mt 7,21). Hoje, Jesus retoma esta advertência através da parábola de dois filhos e das suas atitudes opostas perante a vontade do pai.
O contraste é evidente. O primeiro, depois de ter dito” não quero”, reflectiu, reconsiderou, arrependeu-se da resposta dada e acabou por obedecer. O segundo, em vez, tendo dito “eu vou, Senhor”, na realidade não foi. Deste não se diz que se arrependeu, sinal de que nunca teve, sequer, intenção de fazer o que indicava verbalmente. Simplesmente proferiu palavras vazias.
No tempo e na cultura de Jesus, desobedecer a um pai era não só falta de respeito como também algo socialmente condenável, vergonhoso e que punha em causa a própria autoridade e honra do pai. O quarto mandamento era levado a sério… “Que vos parece?” pergunta Jesus. Se não conhecêssemos o fim da história e nos ficássemos só pela resposta inicial, responderíamos que o primeiro filho foi arrogante enquanto o segundo era um bom filho. Ora, não são as palavras mas sim o comportamento que nos revelam a verdade.
Notemos que Jesus contou esta pequena parábola aos “príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo”, isto é, a pessoas muito religiosas, que viviam para as coisas de Deus e eram muito consideradas na sociedade. No entanto, se na aparência eles eram filhos de Deus exemplares, a sua resposta, como a do segundo filho, revela-se superficial, vazia, pois não cumpriam a vontade de Deus, expressa na Lei de Moisés e nos profetas e o sinal mais evidente disso foi que se negaram a acolher o convite de João Baptista à conversão. Ao contrário deles, os publicanos e as mulheres de má vida, ainda que inicialmente, como o primeiro filho, tivessem dito não a Deus por viverem em contradição com os seus mandamentos, escutaram a pregação do Baptista, arrependeram-se e mudaram de vida.
Naquele tempo, como no nosso, existe muita gente que vive de aparências. E não são apenas aquelas pessoas que dão pouco uso ao dom da inteligência, que gostam de aparecer em festas sociais ou que se dispõem a fazer todo o tipo de figuras tristes desde que isso lhes possibilite ser reconhecidas na rua.
A hipocrisia e a incoerência entre o que se diz e se pratica é uma tentação que atinge também, ou sobretudo, as pessoas religiosas. E os sacerdotes não são excepção. O Papa Francisco não se cansa de o denunciar com frequência. Tantos, na Igreja e fora dela, invocamos o nome de Deus (“Senhor, Senhor”), falamos d’Ele, conhecemos os seus mandamentos, cantamos e rezamos, sozinhos ou na assembleia dominical, enquanto alimentamos a pretensão de ser verdadeiros filhos de Deus, daqueles bons…
Ser discípulo de Jesus e entrar no Reino de Deus é muito muito mais que uma questão de palavras e de comportamento religioso exterior. A verdade sobre cada um, se é ou não um verdadeiro filho de Deus, só se saberá, como na parábola, no fim da história. Entretanto, o evangelho faz apelo à coerência entre palavras e acções, entre a aparência e a realidade, entre comportamento exterior e disposições interiores. Nisto se joga a verdade do que somos, não aos olhos dos outros, mas de Deus Pai, o único que conhece o nosso coração e a verdade da nossa adesão à sua vontade.