O evangelho deste Domingo transporta-nos para a última Ceia de Jesus.
O evangelista refere que Judas Iscariotes tinha acabado de sair do Cenáculo. Jesus sabe que a hora de ser glorificado está próxima. Mas os discípulos mal podem imaginar o que se irá passar. Ouvem falar de ‘glorificação’ e nas suas cabeças, talvez como nas nossas, ainda passam ideias como fama, prestígio, poder. Nunca ideias como humilhação, sofrimento, morte! Jesus faz o seu testamento e, como um pai, olha para os discípulos como filhos muito amados. No entanto, se Jesus não tinha sequer “onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 58), que haveria Ele de lhes deixar como herança? Ouro e prata não tem, nem lhes garante um futuro próspero. Pelo contrário, diz-lhes: “hão-de perseguir-vos” (Jo 15, 20), “meter-vos nas prisões” (Lc 21, 12) e “entregar-vos à tortura e à morte (Mt 24, 9). Que herança lhes deixará então?
Perante um cenário tão negro e palavras tão desencorajadoras, que pode este pobre homem deixar como herança? Por certo, algo que não pode ser comprado com ouro ou prata. Algo que nem as perseguições, a tortura ou a morte podem tirar: o amor. O amor que se recebe de Deus. E o amor que sentimos para com os irmãos. Como há duas semanas atrás, hoje, Jesus volta a colocar-nos diante deste gesto sublime: “Meus filhos, como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.” (Jo 13, 33-34). Recorda-nos o amor que Ele nos tem, a ponto de dar a Sua vida por nós. E pede-nos que a nossa medida de amor seja a Sua medida: amor total e incondicional. É esta a sua verdadeira herança. Além disso, faz depender do amor a nossa condição de discípulos: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes” (Jo 13, 35).
Para se ser seu discípulo, Jesus não começa por exigir a adesão a doutrinas ou a participação em ritos litúrgicos. Não lhes dá um rol de preceitos a cumprir e proibições a ter em conta. Pede-lhes apenas que se amem, na mesma medida com que Ele ama. Dessa medida de amor virá tudo o resto. Pois Ele sabe que não são as teorias e os ritos a levar ao amor! O caminho é ao contrário: é o sentirmo-nos amados, o reflectirmos esse amor na vida, amando os irmãos, que nos leva a aderir à doutrina cristã, a alimentar a fé e a desejar participar na comunidade cristã. Enquanto deixarmos o orgulho próprio falar primeiro, olharmos os outros com sobranceria, formos construindo barreiras e entrarmos em conflitos com os outros por mesquinhices, oh quão longe estaremos de imitar o Mestre e de acolher a Sua herança de amor!
Senhor Jesus, apesar das limitações que me impedem de amar ao Teu jeito, faz-me sentir sempre o Teu enorme amor por mim. É a certeza de me saber amado por Ti, que me dá força para continuar o meu esforço de acolher os outros nas diferenças, lhes perdoar as falhas, lhes pedir perdão quando sou eu que erro, e tentar amar como Tu nos amas.
Amén.