“AQUELE QUE ME COME VIVERÁ POR MIM”
No dia em que na Igreja comemoramos a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, mais simplesmente conhecida como festa do Corpo de Deus, a sua Palavra convida-nos a aprofundar o grande mistério que celebramos em cada Eucaristia.
Na primeira leitura, Moisés exorta o povo a não se esquecer de Deus: “recorda-te… não te esqueças do Senhor, teu Deus”. Concretamente, convida-o a lembrar-se do que o Senhor fez por ele ao longo da sua história: libertou-o da escravidão do Egipto, guiou-o através do deserto, matou a sua sede e, com o maná, a sua fome. Esta exortação de Moisés serve também para os cristãos, para que não deixemos apagar da memória tudo o que Deus fez por nós. De facto, na última ceia Jesus pediu “fazei isto em memória de mim”. Sempre que celebramos a Eucaristia, somos fiéis a este pedido de Jesus, não só porque trazemos à memória toda a história de Deus connosco, história da salvação, mas sobretudo porque tornamos presente esta história com o seu momento culminante na morte e ressurreição de Cristo: “anunciamos a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição”.
Fazemos memória e celebramos, para agradecer. O termo Eucaristia significa acção de graças. Damos graças a Deus pelo dom da salvação e, ao mesmo tempo, aprendemos a levar esta atitude para a vida. Na Eucaristia como na vida, “não te esqueças do Senhor, teu Deus” e dá-lhe graças por tudo o que Ele faz por ti e te concede no fim de cada dia, no fim de cada refeição, no fim de um trabalho, de um divertimento, de uma viagem, de um encontro… Para um cristão, todas as circunstâncias e lugares são oportunidades para trazer Deus à memória e viver com um coração agradecido. É a resposta ao convite do salmo: “Jerusalém, louva o teu Senhor”.
No deserto, Deus alimentou o seu povo com o maná. Esta palavra significa “o que é isto?” E Jesus esclarece no evangelho que o maná é um símbolo, uma figura do verdadeiro pão que desceu do céu: “Eu sou o pão vivo descido do céu”, explicando depois que este pão é “a minha carne que Eu darei pela vida do mundo”. Por sua vez, esta afirmação recorda-nos aquela da última ceia: “isto é o meu corpo entregue por vós”. Deixemos, pois, que estas palavras nos introduzam ao mistério da Eucaristia.
A Eucaristia é banquete e sacrifício. A comunhão do seu Corpo e Sangue é o banquete no qual Cristo se dá a si mesmo para alimentar os cristãos ao longo da sua caminhada até à verdadeira terra prometida, o Céu. As expressões “pela vida do mundo”, “por vós”, referem-se, por sua vez, ao valor redentor da oferta de Cristo sobre a cruz. Pela comunhão, participamos neste sacrifício, isto é, na sua oferta ao Pai, por nós. Por alguma razão dizemos que a Eucaristia é mistério da fé, tal a grandeza do que ali celebramos: banquete no qual Cristo se dá como alimento; sacrifício em que o Filho se oferece, e nós com Ele, ao Pai; meio pelo qual o cristão vive unido a Jesus, “permanece em mim e Eu nele”.
Uma célebre máxima diz que “a Eucaristia faz a Igreja”. A Eucaristia faz a Igreja ensinando a Igreja a ser Eucaristia, a viver o que celebra, a ser corpo entregue e sangue derramado. Como é a cabeça assim devem ser os membros. Como é Cristo assim deve ser a Igreja: corpo entregue. A Igreja, cada cristão, não existe senão para se dar. A Igreja, e cada um dos seus membros, existe para morrer, não para se conservar, defender e autocontemplar. A Eucaristia faz a Igreja porque nela cada cristão é desafiado a fazer sua a atitude fundamental de Cristo: eis-me aqui, tudo o que sou e tenho, toda a minha vida, é a minha carne que eu darei pela vida do mundo.