“Um prémio cumpre a função de validar o trabalho, neste caso, de quem escreve, há algum tempo, ainda que esses registos não sejam revelados”
Emília Barbeira, vencedora da 25ª edição do Prémio Dr. João Isabel, no género dramático, com o texto «O outro lado de mim/o outro lado de nós», é natural do Marmeleiro, Guarda. É licenciada em Humanidades (Universidade Católica Portuguesa). É Professora de Português do quadro, no Agrupamento de Escolas da Sé.
Nos momentos de lazer, gosta de ler, escrevinhar e deslumbrar-se com culturas e paisagens peculiares de diferentes lugares do mundo. A jardinagem, também, lhe dá muito prazer.
A GUARDA: O que a levou a concorrer ao Prémio Dr. João Isabel, promovido pela Câmara Municipal de Manteigas?
Emília Barbeira: Sinceramente, participei, porque a minha colega, Natércia Dias, autora do livro «Contos de Terras Escondidas», e premiada, no ano 2023, com o primeiro lugar com o texto «O Caso Bicudo do Martelão Trão-trão», me incentivou a fazê-lo e me alertou para os prazos do concurso. Assim, sinto que o prémio é, também, dela. São os Anjos da Guarda que se vão cruzando no meu caminho e me ajudam! Natércia, fico-lhe grata.
A GUARDA: Escolheu o género dramático por alguma razão especial?
Emília Barbeira: Escrevo textos sobre os três géneros literários: narrativo, lírico e dramático, embora privilegie o poético. E não foi a primeira vez que coloquei os heróis nacionais ou da minha cidade a interagir, lá no céu, sobre o que se vai passando aqui pela urbe, embora o faça, sobretudo, para a gaveta ou para as minhas atividades escolares. Nos meus registos, tento, sempre, dar destaque às gentes da minha terra e aos seus acontecimentos.
A escrita, para mim, tem uma função didática, moralizadora. Assim, esforço-me por transmitir alguma informação pertinente sobre os ilustres de modo a não os deixar esquecer. A história tem de ser contada e recontada. Afinal, se eu não gostar de mim quem gostará! Ou seja, tem de se valorizar a cidade altaneira, pois é nela que se constrói a vida daqueles que cá moram. É urgente amar o que é nosso, porque o que é nacional é bom, como Camões, tantas vezes, afirmou, direta ou indiretamente, ao longo de «Os Lusíadas». É urgente aprender com os mais sábios e experientes. É um conselho do épico, no Canto X: Tomai conselho só d’experimentados/ Que viram largos anos, largos meses, /Que, posto que em cientes muito cabe. /Mais em particular o experto sabe.
Na verdade, escolhi este género, dado que os diálogos já existiam em alguns dos meus registos. Foi uma questão de os adaptar a uma nova realidade para enaltecer figuras ilustres da região e do país. O aniversário de Camões tinha de ser festejado.
A GUARDA: Como recebeu a notícia de que tinha vencido nesta categoria?
Emília Barbeira: Com muito entusiasmo. De facto, fiquei feliz e, talvez, com mais vontade de me aventurar.
Um prémio cumpre a função de validar o trabalho, neste caso, de quem escreve, há algum tempo, ainda que esses registos não sejam revelados.
Parabéns à Autarquia de Manteigas que há 25 anos tem atribuído este prémio àqueles que gostam de escrevinhar, e, de outra forma, muitos autores não veriam o seu sonho reconhecido, uma vez que a publicação tem alguns custos e pouquíssimo retorno.
Como afirma Saramago, é a literatura a que, inevitavelmente, faz pensar. É a palavra escrita, a que está no livro, a que faz pensar.
Assim, é urgentemente a valorização do ato de escrever, dado que é uma forma privilegiada de comunicar, quer individualmente, quer coletivamente.
A GUARDA: De forma resumida, de que trata o texto «O outro lado de mim…»?
Emília Barbeira: Este ano comemoraram-se os 50 anos do 25 de abril, portanto, uma data que tinha de ser sublinhada. E foi. Por exemplo, o Agrupamento de Escolas da Sé, ao qual pertenço, organizou uma exposição fabulosa a esse respeito, por isso convido-vos a passar pelos Paços da Cultura. Parabéns aos dinamizadores do projeto pelo excelente trabalho!
Eu, também, não quis passar em branco por este momento histórico, fazendo alusão, no meu texto, a esta data. Além disso, este ano, há, ainda, a registar os 500 anos do nascimento de Camões. Como sua fã incondicional, queria muito dar-lhe visibilidade, já que são poucos os que podem comemorar cinco séculos de existência! Não podia deixar o meu medalha de ouro, como lhe chamei, esquecido!
O texto tem, apenas, quatro personagens, a saber: Camões, o maior poeta português de todos os tempos; Evelina Coelho, uma das mais importantes pintoras, que conseguiu projetar-se além fronteiras; o Dr. João Isabel, o médico manteiguense, que dá nome ao prémio, e Aberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa.
A ação passa-se no céu, onde os protagonistas interagem entre si. O grupo tem como objetivo pensar na realização de uma epopeia sobre os 50 anos do 25 de abril para ensinar às crianças a importância da LIBERDADE. A realização da epopeia ficou a cargo do vetusto Camões, como não podia deixar de ser, e a ilustração foi da responsabilidade da pintora dos pássaros de lindas plumagens, Evelina Coelho. O assunto, ainda, gravitou em torno do aniversário de Camões. Foram estas as ideias basilares do meu texto dramático.
A GUARDA: Mas, habitualmente, escreve mais poesia?
Emília Barbeira: Sim, escrevo mais poesia, embora o texto narrativo, também, me inspire. Mas a poesia salta para o papel com mais frequência e facilidade. Às vezes basta ouvir uma frase ou ler uma ideia para ditar um poema. Figuras inspiradoras, também, são alvo da minha caneta, como o Papa Francisco ou o artista plástico, Jorge Rodrigues, que tem colorido a cidade da Guarda com grande mestria, eternizando as suas gentes.
A GUARDA: Como professora, considera que é importante dedicar tempo à leitura e aos livros?
Emília Barbeira: A leitura é um organizador fundamental que nos obriga a pensar e a sonhar ou mesmo a mergulhar num mundo de aventuras mil, que de outra forma não terias acesso. A leitura transporta cada um de nós para realidades que tanto podem ser paradisíacas como disfóricas, mas hão de ser, sempre, imprescindíveis para qualquer projeto, porque o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive, como afirmou o Padre António Vieira, no séc. XVII.
Mas estou consciente de que a leitura está a ficar para trás em detrimento das novas tecnologias. Porém, é determinante que se olhe com carinho para esta nova realidade que se instalou de armas e bagagens, na sociedade do século XXI. Valorizar o livro é valorizar vidas e acontecimentos! Cada vida é um grandioso livro que todos os dias se escreve e rescreve.
A GUARDA: E à escrita?
Emília Barbeira: À importância da escrita, respondo com o meu poema:
Quem escreve rabisca o pulsar do coração
A fim de lhe facultar uma feliz orientação.
A escrita são máscaras sempre buriladas.
São armazéns de informações detalhadas
Onde se espreitam caras, nomes ou vidas.
As muitas escritas são registos para perpetuar
O meu e o teu doce sonhar ou amargo deambular
Ao mesmo tempo que é determinante ocultar
O percurso que a ninguém se quer revelar.
A escrita é uma bússola delicada e afinada
Que vai permitir tomar decisões acertadas
Para percorrer diferentes e íngremes estradas.
Em suma, a escrita é, sem dúvida, um dos muitos registos que ajudam a fixar a realidade, pois só o que fica preto no branco se perpetua ad eternum. Escrevam, por favor, mesmo que seja para a vossa secreta arca, como tantas vezes fez Fernando Pessoa!