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Viver o tempo pascal

Na liturgia da Igreja católica, a grande festividade da Páscoa,

na sua vertente de Morte e Ressurreição, foi variando através de tantos séculos de comemorações, segundo os sentimentos dos crentes e até conforme a psicologia dos povos e as vivências dos séculos.
O mais importante na época das perseguições foi o olhar fixo na glória do triunfo total e completo de Jesus, para que os molestados por tamanhos tormentos e angústias, tais pareciam os mártires, encontrassem o lenitivo final de suas penas, lembrando ser o itinerário da cruz tão profetizado pelo Mestre divino a caminhada para a glorificação eterna.
A festa era gozo e júbilo, triunfo e regalo, assentes no pregão do Apóstolo “Alegrai-vos na medida em que participardes nos sofrimentos de Cristo”, a estimular a esperança que todos aguardavam, conforme o ensinamento: “É digna de fé esta palavra: ‘se tivermos morrido com Cristo, também com Ele viveremos’”.
Depois foi-se mudando o cerne do sentido pascal, deixando a contemplação do Calvário para meditar, mais e mais, no ressurgimento do sepulcro e saberem todos que é necessário o sofrimento e as cruzes várias para chegarmos à glória celeste. E logo a alegria mesmo mundanal se instalou, como selo indestrutível, no coração dos fiéis.
Agora a Páscoa vive-se no canto, no enaltecimento, nos hossanas e aleluias, a extravasar mesmo para a vivência de tudo o que agrada e delicia o apetite humano. É a exuberância da felicidade á qual se vem unir até o clima mais suave e calorento e a natureza com suas flores e ramagens frondosas.
Até à liturgia se unem o folclore popular. E notamos, em algumas terras, a multidão dos crentes a sair das cerimónias da Páscoa, caminhando em direcção da capela dedicada à mais venerada imagem de Nossa Senhora, cantando aleluias sem fim. Que faz aquela assembleia que sai da ambiência de recolhimento para se regozijar até em saltos, pulos e descantes? Vai exteriorizar o seu júbilo e tornar participante de sua alegria a própria Mãe de Deus.
Se, durante a quaresma, mesmo nos trabalhos do campo, só se ouviam cânticos religiosos, mormente os martírios do Senhor, agora, mesmo as festas religiosas tomam características diferentes, com mais movimentos, expressões de júbilo, acompanhadas pela música das filarmónicas com tonalidades faustosas, sem falar mesmo nos bulícios, turbulências e estrépitos nascidos de um ambiente jovial.
Os itinerários evangélicos frisam, na própria liturgia, o gozo do Deus connosco, através da certeza de Cristo ressuscitado e da sua companhia gloriosa.
Os textos para louvar a Deus, meditar nos seus ensinamentos e celebrar as suas maravilhas mudam de tom. São os aleluias que se espalham a todo o pé de passada, os textos de maior satisfação e contentamento interior e até as posições corpóreas das assembleias sem falar nas festas populares repletas de alarido, vozearia, barulhos excitantes que enchem este tempo.
Muitas comemorações dos santos ocorridas na quaresma tomam lugar logo nos primeiros dias desta época e até a memória da bem-aventurada Virgem Maria surge com títulos expressivos: Nossa Senhora dos Prazeres, a Virgem da Alegria, a Senhora da Consolação, sempre a recordar que após a sua compaixão desperta o encantamento triunfante e vitorioso.
Mesmo para além do estritamente litúrgico, a piedade popular dos fiéis multiplica tantos cânticos de louvor para recordar a Nossa Senhora e a nós, a grandeza da alegria: “Rainha dos Céus, alegrai-vos, aleluia, porque Aquele que trouxestes em vosso seio, aleluia, ressuscitou com disse, aleluia. Alegrai-vos e exultai, o Virgem Maria aleluia”.
Mesmo que, desde os tempos antigos, a fé cristã chocasse as gentes e muitos se houvessem oposto, mostrando a sua hostilidade a e dogma da fé, o júbilo e o satisfação feliz mesmo ambiental de quantos se regozijam no Senhor, por estarem chamados à mesma glória de Cristo absorveu a atmosfera espiritual do homem de tal modo que se multiplicaram aos milhares e milhões as vozes que proclamam esta crença.
Até a própria morte onde o enigma da condição humana mais se avoluma empresta a este desejo de viver para sempre uma esperança.
É o desejo de um novo céu e uma nova terra que se grava no íntimo de cada um. E a certeza da ressurreição do Senhor Jesus alicerça fortemente a nossa vida, enchendo-a de júbilo e felicidade, mesmo que os dias de passagem nesta terra nos pareçam bem amargos, tantas vezes.

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