O costume de figurar o Deus Menino deitado numa manjedoura foi-se alargando, sobretudo depois de São Francisco de Assis,
em 1223, ter ido a Roma apresentar ao papa Honório III o seu projecto de reconstituir, ao vivo, a cena de Jesus deitado no presépio.
Havia já bastantes referências da Virgem Maria com seu Filho, antes do século XIII. Tornou-se, porém, mais popular esta imagem, devido à sua simplicidade. Logo depois, foi aprimorada com pormenores imaginativos tais eram a gruta, que, na realidade, significava o estábulo, onde os ocupantes daquela hospedaria guardavam os animais, a vaca e o burrinho logo tornados quase históricos, os pastores com os rebanhos, os anjos anunciadores do evento e muitas figuras mais que foram fazendo parte da tradição. O evangelho narra apenas que o Menino fora colocado numa manjedoura.
Já o ‘povorello’ de Assis havia iniciado a sua representação com os animais, um para dar leite, outro para o transporte, que não ficavam nada destoantes no estábulo.
Após esta ocorrência, sobretudo os pintores continuaram a trabalhar neste cenário. Mas o que mais habitual permaneceu e se multiplicou foi o símbolo dos presépios que ainda hoje contemplamos geralmente feitos de terracota por gente simples. quando não executados em mármore e por artistas consumados.
Se outrora os presépios se armavam quase exclusivamente nas igrejas e capelas senhoriais, hoje estendeu-se a sua prática por grande parte das casas cristãs, das monstras e mesmo de lugares públicos sem grande referência à piedade ou à liturgia.
Nas lojas comerciais, certamente para atraírem freguesia, já se vêem mesmo antes do Advento, sem esquecer grandes cenário a ocuparem largos e terreiros.
Não é propriamente a adoração que sustenta esta praxe mas sim a contemplação e a memória de tão augusto e maravilhosos mistério que, em nossos dias, se fixou num uso popular mais atento ao ambiente festivo do que à memória piedosa.
Antigamente, as representações e os símbolos cristãos convidavam à prece, à meditação, ao contacto com o divino. Nos nossos dias, com o mundo secularizado, exceptuando as efígies cujos cânones lhes emprestam mais relações religiosas, pensemos nas imagens de Nossa Senhora de Fátima, das representações da paixão ou de estátuas que pela sua celebridade devocional ou milagrosa nos vão imbuindo de um certo culto, o maior valor concedido a estas obras religiosas é o cunho e o padrão artísticos. Por diferentes estilos se podem apreciar inúmeras figurações representativas do mistério da incarnação.
Urge, no entanto, aproveitar este costume já difundido entre nós, para encher o nosso íntimo de uma atitude de fé cada vez mais aprofundada e de um afecto que compreenda mais e melhor o coração de Deus que para nos salvar desceu do seu trono de amor e preferiu a companhia dos homens pecadores, a fim de os purificar do mal e os conduzir à sua morada gloriosa, depois de os tornar participantes da sua vida íntima e os conduzir pelos caminhos por Ele inaugurados.
É necessário voltarmos às eras passadas, aos tempos em que a religiosidade ocupava um lugar distinto e notável nos sentimentos dos fiéis, dando ao nosso viver quotidiano a nota cristã, isto é, de seguidores de Jesus.
É que os presépios trazem-nos à memória o mistério do amor de Deus – “assim Deus amou o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” – e impõem-nos o dever de retribuirmos a dedicação de um Deus que nos entregou o seu único Filho para morrer por nós a fim de possuirmos a vida eterna, na sua morada.
Para jamais nos esquecermos tão salutar acontecimento é que nasceu e se continuou o hábito de inventarmos práticas de jamais perdermos a sua memória.
Se a união com Deus é o objectivo de toda a religião, impõe-se que as figurações dos acontecimentos divinos sejam dirigidos ao nosso íntimo sem esquecer a nossa sensibilidade, que ultrapassa a lógica das ideias, para que, no silêncio contemplativo, nos faça interiorizar mais e melhor as verdades e as belezas dos acontecimentos divinos. Se a beleza faz resplandecer a verdade das coisas, a sua glória infunde-se mais no íntimo de cada um.
A mentalidade moderna está a dizer-nos que afinal o abandono da religião não trouxe nem progresso de uma vida calma e tranquila nem a salvação da terra. A humanidade continua empobrecida sobretudo no seu relacionamento das diferentes posições quer sejam económicas quer intelectivas, sejam individuais ou mesmo colectivas.
A beleza, a arte da iconografia envolvem-nos e podem ajudar-nos a repensar o estado da humanidade tão diverso hoje. Mesmo no campo económico, as diferenças são abissais desde a pobreza de pão até à superabundância do dinheiro, desde não ter onde morrer até à sumptuosidade das moradias para existir.
O Natal deve ser bem considerado para nos aproximarmos do estilo de Deus humanado.