Parecerá inacreditável que, no século XXI, ainda se possam relatar casos verídicos
de se decretar pena de morte por alguém ter assumido religião diferente daquela em que nasceu.
Foi o que nos comunicaram televisões, jornais e outras formas de comunicação acerca de uma senhora muçulmana que resolveu tornar-se cristã, após ter estudado e reflectido sobre a sua forma de crer e viver a fé.
Ainda há dias, foi difundida pela internet uma página policopiada com a fotografia de uma jovem, não posso precisar a idade, com a cara manchada de sangue que escorria do olho esquerdo e dos lábios. Tanto as pálpebras como os beiços estavam cozidos com linhas vulgares de cujas feridas brotava o sangue. O panfleto explicava em português e francês: “Uma empregada de Palmelkh, Arábia Saudita, foi torturada por ter reivindicado sua fé em Jesus Cristo, dizendo aos seus colegas: ‘Jesus Cristo, que a Paz esteja com Ele, é o meu Salvador!’ e eles acusaram-na aos seus mestres, tendo-lhe estes cozido a boca para não mais testemunhar a sua fé pela língua e cozeram-lhe um olho também”.
A folha, onde tudo isto se registava, proclamava: “Visto que a imprensa mundial não se interessa em divulgar… peço que o façam”.
É o fundamentalismo de algumas religiões que hoje, por diversos meios, interpreta a sua crença de forma única, exclusiva e ditatorial, sem admitir aos outros qualquer opção diferente.
É certo que as religiões sobretudo as monoteístas têm a pretensão de reivindicar a verdade de suas crenças. Mesmo o cristianismo passou por esta fase, quando não considerava o direito à liberdade religiosa como regra moral. Depois, à custa de reflectir sobre a dignidade da pessoa humana, não se deixou mais seduzir e arrastar pelas pretensões até de regimes políticos que achavam ser melhor governar os súbditos coesos na unidade de culto e de mandamentos.
Esqueciam facilmente algumas sentenças evangélicas que diziam: “É este o meu mandamento: amai-vos uns aos outros”. Ou estoutra: “O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles”. E poderíamos citar outros conselhos do Senhor Jesus, como por exemplo: “Amai os vossos inimigos, orai pelos que vos perseguem”.
Os últimos Papas não têm pejo de falar publicamente com chefes de judeus ou islamitas, num diálogo de respeito e de afabilidade.
Será mais difícil congregar os maometanos e cristãos que estes e os judeus. Os israelitas compreendem estarem os prosélitos de Jesus ligados à sua Lei que, por seu lado, preparava a vinda do Messias Salvador, embora os islamitas também leiam no Alcorão fases como estas na Sura XVIII: 30: “A verdade provém do vosso Senhor. Por isso, acredite quem quiser e quem não quiser não acredite”, embora se possam fixar noutras sentenças mais concludentes.
Claro que a consequência a tirar destas máximas não será ir para o que nos agrada, mas sabermos que a letra da escritura sozinha não determina nem o espírito nem a interpretação do texto, uma vez que há citações bem diversas.
É bem clara a afirmação do Evangelho: “A verdade vos libertará”, mas quando aparecem doutrinas a reivindicar cada uma origem divina, embora de conteúdo diverso e até contraditório, é necessário reflectir, mais e mais, no seu fundamento e escolher o que nos aponta a razão e a consciência.
Todos sabemos ter publicado o Concílio Vaticano último um decreto a procurar o encontro das religiões. Mas, se não nos explicamos bem e com respeito pelas opiniões alheias, não conseguiremos avançar demasiado. Importa sim aproximar-nos todos da verdade, por meio de uma reflexão à qual a nossa mente esteja aberta, sempre acatando a mentalidade do interlocutor.
Hoje, depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde podemos ler: “O reconhecimento da dignidade própria e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana, é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mudo”, e após os decretos conciliares sobre a Liberdade Religiosa, onde se afirma: “Um dos principais ensinamentos da doutrina católica, contido na palavra de Deus e constantemente pregado pelos santos Padres é aquele que diz que o homem deve responder voluntariamente a Deus com a fé, e que, por isso, ninguém deve ser forçado a abraçar a fé contra vontade”, a liberdade de consciência vai-se tornando fundamento da mentalidade actual, embora haja regiões nas quais os governos, para estarem mais à-vontade no promulgar leis e agir segundo o seu pensar, se esforcem por afastar os súbditos de professarem todas ou algumas religiões.
Para os cristãos o exemplo de Jesus é sempre fonte do seu actuar para além do seu crer. Ora, no evangelho, podemos contemplá-l’O a dar testemunho da verdade e a deixar-Se matar antes de impor pela força a sua Palavra.
Embora possamos lembrar um ou outro facto em que a Igreja usurpou o seu poder para impor sua doutrina, ela manteve sempre o ensinamento de que ninguém deve ser coagido a acreditar.
Daqui a nossa obrigação de anunciar o Evangelho a todo o mundo, mas respeitando sempre a consciência do outro.