Recordando um grande Mestre da Capela da Sé
Década de 1780… Chegou à Guarda, vindo de Salamanca, de um estágio musical. Tem cerca de 30 anos, «bom cantor e organista». Quem é? Chama-se José Maurício.
Na cidade vem encontrar-se com o Prelado, uma pessoa entregue com toda a alma à respectiva missão, onde não falta também grande empenho por uma liturgia com dignidade. Aliás, já na «Pastoral» de entrada (30-XI-1773) fora um dos aspectos referidos. É D. Jerónimo Rogado do Carvalhal e Silva, por sinal, aqui nascido na freguesia de São Vicente.
Foi um encontro que deu fruto. D. Jerónimo criou uma Escola Pública de Música ligada á Catedral, e José Maurício, pelas credenciais que apresentava, foi nomeado seu director e Mestre da Capela.
José Maurício nasceu em Coimbra (Santa Justa), onde foi baptizado em 19 de Março de 1752, filho de Manuel Luís Assunção (guarda prisional) e Rosa Maria de Santa Teresa. Embora órfão aos 13 anos, frequentou os estudos eclesiásticos, chegando mesmo a receber «Ordens Menores», estado clerical que sempre manteve. Pelo seu próprio testemunho viemos a saber que grande parte da formação musical a recebeu de um mestre da mesma cidade – José Monteiro da Rocha. Foi progredindo e compondo, até que, ansioso de algo mais, rumou a Salamanca… porventura para aumentar os conhecimentos, quiçá à procura de um lugar.
Vindo de lá, ei-lo então na Guarda.
Por não estar ainda disponível o arquivo diocesano, não nos é possível determinar exactamente todo o período da sua temporada. Mas conhecem-se-lhe diversas Obras musicais datadas daqui, de 1784 e 1785, que se encontram sobretudo nos arquivos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e da Biblioteca Nacional. São em número de 12, perfazendo – entre pequenas Obras e colectâneas – um total de cerca de 30 Peças (Partes das «Missas», «Salmos», etc.), algumas com dedicatória ao próprio Prelado. Entre todas avultam, sem dúvida, as «Vésperas Grandes de Nossa Senhora», a Obra de maior envergadura da sua época egitaniense. Compostas no estilo «concertato» da época. Que bom seria vê-las um dia integralmente interpretadas nesta cidade, como aconteceu há anos com a «Missa» de 1801 de J. J. Baldi.
Sabemos que, pelo menos, nos fins de Novembro de 1785, José Maurício já aqui se não encontrava, pois saiu para tomar hábito no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (26-XI-1785), onde depois, aliás não chegou a professar.
Desde então toda a sua actividade acabará por se desenrolar na sua própria cidade, como Mestre da Capela da Sé e, em 10 de Abril de 1802, por Despacho Real, é mesmo nomeado Lente de Musica da Universidade. Por isso são de Coimbra a maior parte das suas Obras.
José Maurício guardará grata recordação do tempo da Guarda. A tal se refere no «Método de Música» que publicou em 1806, onde, a propósito, escreve: «Entre outros Ex.mos Srs. Bispos deste Reino, que, segundo o exemplo do Ex.mo Sr. Bispo Conde criaram Escolas de Música para o mesmo fim (i.e. habilitar músicos e mestres da capela) distinguiram-se notavelmente o Ex.mo Sr. Bispo da Guarda, falecido há poucos anos…». Ao mesmo assunto faz também alusão, aliás, J. Vazconcelos em «Os Músicos Portugueses» (Porto, 1870) ao classificar D. Jerónimo de «prelado esclarecido», e, «homem ilustrado». E aquando da ida do Mestre para Coimbra, «um artista que já tinha ocupado uma boa posição musical».
Em 2003, aquando da publicação, por intermédio da Câmara Municipal, de um volume dedicado à época e Obras de José Maurício na Guarda, tivemos a particular ocasião de constatar, no Auditório, alguém originário de Coimbra – concretamente o Eng.º Rui Freitas Morna – dando um belo testemunho sobre um seu trisavô violinista que tocara sob o comando do prestigiado Músico.
José Maurício ia habitualmente a banhos à Figueira da Foz. Foi aí que lhe sobreveio uma apoplexia, tendo que ser retirado em braços, em consequência do que faleceu em 12 de Setembro de 1815.
Fez no passado dia 12 exatamente….200 anos.
Eis o motivo de o recordarmos nesta ocasião, pois não se trata já de um Mestre propriamente desconhecido aqui, sobretudo para os Coros da cidade, que especialmente o têm interpretado através do magnífico «Alleluia em Rondó», por ele composto na Sé da Guarda, em Junho de 1784.
Um dos notáveis Mestres da Capela que passaram pela nossa Catedral…