Vivemos rodeados de meios de comunicação social e é a televisão
que continua, creio bem, a erguer a voz nos espaços sociais e nas nossas casas. A toda a hora podemos ser bombardeados com informações novas, informações já dadas, mas repetidas nova e novamente, pintadas com imagens a condizer – ou a desdizer. Com que critérios?… Bem, os jornalistas lá saberão, mas o que emerge para o podre cidadão que deseja estar minimamente informado é um mundo de loucuras, loucamente repetidas com imagens e directos de arrepiar e fazer zapping. Mas do outro lado, as mesmas loucuras, demoradamente mastigadas por directos de longos minutos que nada acrescentam a não ser a mesmidade daquilo que se havia já dito. Terrorismo, corrupção, assaltos, assassínios, e outros actos da humana podridão, «religiosamente» alinhados para alimentar – e aumentar – a curiosidade mórbida da humana situação. E quando não é «isto», é o mexe e o remexe da política partidária, tristemente irónica e alegremente caseira. Há que fazer um pouco de esforço, se é que não estamos ainda completamente anestesiados, para não ficarmos deprimidos. Conquista de audiências? Seja, mas seja também com conta e medida.
Quem estudou um pouco de estatística sabe a importância da escolha da amostra. Também todos saberemos que muitos erros de raciocínio da nossa vida diária são generalizações precipitadas. No fundo têm na base deficiência nas amostras de que partimos, tiradas, quantas vezes, das circunstâncias da vida, ou, massivamente, dos recursos mediáticos. Depois… A virtualidade e a espontaneidade do nosso psiquismo fazem o resto, e lá vem o «todos» ou o «todo o mundo» das nossas conclusões. Assim vamos construindo uma fotografia do país, do homem e da humanidade, pintada com o «realismo» das imagens e manchetes dos nossos jornais, essas amostras que o nosso psiquismo inconscientemente vai trabalhando.
Mas o mundo não é só isto. Há flores por abrir nos jardins do nosso esquecimento. Todos os dias, talvez bem ao nosso lado, há flores a abrir à espera do nosso despertar.
Todos se lembrarão ainda de Kristalina Georgieva, a búlgara que, dois dias após a quinta votação informal do Conselho de Segurança e que o candidato português, António Guterres, voltara a vencer, apresentou a candidatura ao cargo de secretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O universo mediático do nosso país, sintonizando aqui com todo o universo português, não apreciou a situação e considerou pouco cristalina esta candidatura de última hora. E com razão, como a votação final veio confirmar.
O facto passou à história, mas não esqueci algumas das palavras com que Kristalina se apresentou aos membros da Assembleia Geral das Nações Unidas e ao mundo. Confessando que, enquanto comissária dos Assuntos Humanitários, descobrira que «a bondade é universal», afirma, como que a título programático: «O nosso problema de hoje é que a bondade é silenciosa e o ódio é barulhento. O meu trabalho seria amplificar a voz da bondade.»
Kristalina Georgieva foi vencida como, aliás, seria de esperar. Não seja, porém, esquecida esta sua mensagem: sendo universal, importa dar voz à bondade.
Há dias o diário que mais frequentemente folheio noticiava, em última página, que o Instituto Português do Desporto e da Juventude iria agraciar o «motard» Paulo Gonçalves com o Prémio Ética no Desporto. Li o texto com agrado e fiquei à espera de imagens nos noticiários televisivos. Por distração minha ou esquecimento jornalístico, não as encontrei. Importava, porém, dar voz à bondade.
Paulo Gonçalves, em Janeiro do corrente ano, liderava o Dakar e a vitória parecia certa. Ao quilómetro 15.º da 7.ª etapa, porém, este «motard» de Esposende parou para dar assistência a Mathias Walkner, apontado também como um dos favoritos à vitória, e só retomou a corrida quando chegou a equipa médica, 10 minutos e 53 segundos depois. O acto aí está, reconhecido agora pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, mas fiquem também para nossa memória as palavras de Paulo Gonçalves ditas ao jornalista daquele diário: «Não sou um herói, sou um ser humano com respeito pelos outros. A nossa vida vale mais do que qualquer vitória, sem ela não vencemos.» Lição de vida para a vida, do desporto e da política, lição para cada um, lição para todos.
Há flores por abrir nos jardins do nosso esquecimento. Importa dar voz à bondade. Se ela fosse uma espécie de categoria geratriz do espaço mediático, seria outra a nossa imagem do mundo, seria outro o nosso mundo. Porque «O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem.»
São palavras do Papa Francisco, na Evangeli Gaudium (N.º 9), inspirado, certamente, em filósofos clássicos como Plotino e Santo Agostinho mas também, sem dúvida, alicerçado na experiência da própria vida. «O Bem tende sempre a comunicar-se». Assim haja olhos para o verem, lábios para lhe darem voz e ouvidos para o escutarem.
19 de novembro de 2016