Entrevista: Rafael Neves – Responsável do Departamento da Pastoral Juvenil e da preparação da Jornada Mundial da Juventude na diocese da Guarda,
A Guarda: Como é que foi preparada a Jornada Mundial da Juventude na diocese da Guarda?
Rafael Neves: A preparação da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) na diocese da Guarda viveu-se como uma espécie de sementeira, que talvez não dê fruto imediatamente, como todas as sementeiras. Só haverá fruto se se conseguir cuidar, acompanhar e ajudar a crescer aquilo que foi semeado. Esta sementeira teve duas caraterísticas muito evidentes: semeou-se um pouco por todo o lado, e, por outro lado, semeou-se desinteressadamente. Ou seja, deixou-se que a semente semeada fizesse o seu caminho, confiando-a à terra…
Entre outras iniciativas de ‘sementeira’, dinamização e mobilização rumo à JMJ Lisboa 2023, destacamos as catequeses denominadas “Rise Up”, dinamizadas por jovens e divulgadas através das redes sociais, o projeto “Login” de anúncio das JMJ junto dos jovens e comunidades cristãs em algumas paróquias da diocese e o projeto de oração comum com o lema “2 ou 3 a 23”, para que nas paróquias, comunidades, famílias ou individualmente se criasse uma espécie de corrente de oração. Mais recentemente, concretizaram-se duas caminhadas com jovens com o objetivo de dar a conhecer os patronos da nossa diocese para a JMJ e, finalmente, realizou-se um arraial de santos populares que congregou parte significativa dos jovens peregrinos da JMJ Lisboa 2023 inscritos através de cada Comité Organizador Arciprestal da diocese da Guarda. Como momento marcante da sementeira para a JMJ anota-se o período de tempo compreendido entre os dias 5 de Março e 3 de Abril de 2022, em que a Diocese da Guarda acolheu e fez peregrinar os símbolos das JMJ – a Cruz peregrina e o ícone de Nossa Senhora ‘Salus Popoli Romani’.
Cabe-nos, enquanto igreja diocesana, exprimirmo-nos como terreno bom para aquilo que foi semeado. Ou, dito de outro modo: a sementeira de preparação da JMJ na diocese da Guarda não pode ser semelhante a uma semente lançada em terra estéril, destinada a morrer sem frutificar.
A GUARDA: E como é que será a vivência deste acontecimento?
Rafael Neves: Na semana que antecede a JMJ, mais concretamente, entre os dias 26 e 31 de Julho, a diocese da Guarda irá acolher cerca de 700 jovens de diferentes nacionalidades, em parceria com muitos municípios e instituições, no contexto da iniciativa “Dias na Diocese” (DND), maioritariamente acolhidos em famílias de acolhimento e distribuídos por quase todos os arciprestados da diocese. Para assinalar a chegada dos jovens peregrinos à diocese da Guarda, realiza-se na tarde do dia 26 de Julho, Quarta-feira, na cidade da Guarda, uma “Festa de Acolhimento” e como encerramento dos DND decorre no dia 30 de Julho, Domingo, a “FÉsta das Nações”, no alto da Torre da Serra da Estrela.
Depois, mais de três centenas de jovens da diocese rumarão para a JMJ Lisboa 2023. Será uma festa da fé, porque no centro está a alegria que brota do encontro com Jesus vivo e será uma experiência de igreja universal que caminha como povo de Deus. Por outro lado, acredita-se que a JMJ, com as suas celebrações, catequeses e encontros, não deixará ninguém indiferente, sobretudo ao nível espiritual, e pode ser um momento impulsionador que ajudará os jovens a enfrentar os desafios da vida, e até de discernimento vocacional, na medida em que pode levar os jovens a assumir de forma responsável o seu lugar na sociedade e na Igreja.
A GUARDA: E a recepção?
Rafael Neves: Um acontecimento como a JMJ desempenha um papel considerável na vida dos jovens. Todavia, muitas vezes é difícil inserir no dia-a-dia o entusiasmo que vem da participação nas JMJ, que correm o risco de, assim, se tornarem uma espécie de substância estupefaciente que aliena da vida do dia-a-dia. Mas como preencher a falha de ligação existente entre este grande evento da Igreja universal e a diocese e suas paróquias? Parece decididamente necessária no pós JMJ uma atenção a processos e itinerários de fé com os jovens mostrando que a sinodalidade não é apenas uma ideia abstrata, mas é uma experiência real, que é preciso viver com os jovens, mesmo que com grande dificuldade. A este propósito é imperioso perceber que a diocese tem jovens (!) – não poucos – que estão a questionar-se acerca de como serem cidadãos e cristãos maduros no mundo de hoje. Devemos apostar nestes, evidentemente, sem esquecer o sonho de chegar a todos os outros e cabe-nos passar de uma corresponsabilidade executiva a uma corresponsabilidade projetual: a primeira envolve os jovens na fase da execução de uma solução já encontrada por outros; a segunda envolve os jovens no debate das questões e na procura de soluções, ainda antes da sua realização prática. No primeiro caso, os jovens são unicamente um ‘problema’ a resolver ou mão-de-obra para aproveitar; no segundo caso, são uma voz a escutar e um recurso a envolver!
A GUARDA: O que irá acontece depois das Jornadas?
Rafael Neves: Obviamente, não sabemos o que irá acontecer depois da JMJ. Não é possível planificar o que irá acontecer. A experiência da pandemia fez-nos perceber que o imprevisto em certa medida governa a nossa vida. E, por outro lado, a abertura à ação do Espírito Santo implica um não bloqueio a essa mesma ação e criatividade. O entusiasmo que provém das JMJ deve atingir primeiramente o coração dos nossos pastores chamados a não fazer ‘uma pastoral de bilhar’, em que um novo acontecimento qualquer mete outro, as Jornadas por exemplo, no buraco. A recepção das JMJ implica ver os jovens como Deus os vê. Qual o resultado de fazer uma lista de defeitos da juventude atual? Isso não gera mais distância e menos proximidade e ajuda mútua? Quem é chamado a ser bispo, sacerdote, religioso ou religiosa, acompanhador de jovens tem de encontrar a pequena chama que continua a arder, a cana que parece rachada (Is 42,3), mas que, no entanto, ainda não está partida. Assim é o olhar de Deus Pai, capaz de valorizar, de alimentar e cuidar as sementes semeadas nos corações dos jovens.