Porque São Marcos é o símbolo de Veneza

DOIS DEDOS DE HISTÓRIA

No tempo dos romanos dava-se o nome de Venetia à laguna situada a noroeste do mar Adriático. Nessa época era maior que na atualidade pois foi perdendo água em consequência dos sedimentos depositados pelos numerosos rios que, provenientes dos Alpes, desaguam no mar Mediterrâneo. Naquela época as pequenas ilhas e bancos de areia, denominados lidos, serviam de local de veraneio para os habitantes mais endinheirados das colónias romanas.
A partir do século IV D. C. começaram a chegar os povos da Itália setentrional, refugiados das guerras, e os colonos das cidades romanas refugiaram-se na laguna.
No século VI, Veneza passou para a posse dos Ostrogodos e mais tarde voltou a pertencer aos romanos.
Após o século VII os venezianos passaram a deter autonomia de governação, instituindo-se a figura do Doge* como mandante supremo. O primeiro seria Paoluccio Anafesto, eleito em 697.
Para construção da identidade coletiva de Veneza foi fundamental a trasladação do corpo e relíquias de São Marcos, desde Alexandria, tendo de imediato sido iniciada a construção de uma basílica dedicada ao santo.
A partir deste facto, Veneza transformou-se numa enorme potência naval, rivalizando com os principais reinos da Europa, tendo como grande aliado o Império Bizantino. Após o século XV, o seu poder decaiu progressivamente devido à abertura de novas rotas comerciais proporcionadas pelos descobrimentos portugueses e espanhóis e também porque os nobres venezianos não investiram em transações económicas mais arriscadas, antes optando pela aquisição de grandes propriedades.
No século XVIII a decadência económica de Veneza era evidente e, como seria de prever, Napoleão Bonaparte obrigou à sua rendição, pondo termo à República que era independente há quase mil anos. Cem anos mais tarde seria incorporada na Itália por ocasião da guerra que travou com a Prússia.
São Marcos foi eleito em 829 como protetor da república veneziana. A partir dessa data, o leão alado, símbolo do santo, torna-se o estandarte veneziano por excelência. Passou a integrar todos os territórios dominados e também constava das moedas que circulavam por todo o mundo onde tinham contactos. Para o santo foi contruída uma das igrejas mais faustosas da história do cristianismo: a Basílica de São Marcos em Veneza.
Diz a lenda que numa das deslocações a Veneza, São Marcos se terá perdido na laguna e terá pernoitado numa das ilhas para passar a anoite. Durante um sonho apareceu-lhe um anjo que lhe indicou o lugar exato onde encontraria a sua última morada e onde teria a máxima veneração. Voltou a Alexandria e aí sofreu martírio e a morte. Foi enterrado numa das igrejas que fundara nesse local. Mais tarde, essa igreja seria transformada num sumptuoso palácio e dois mercadores venezianos, Rusticus e Bonus, resolveram retirar os seus restos mortais e relíquias. De acordo com a tradição, quando os comerciantes estavam a retirar o corpo do santo do interior da igreja, em Alexandria, abateu-se sobre a cidade uma terrível tempestade que obrigou todas as pessoas a abrigarem-se em suas casas. Foi deste modo que conseguiram sair do templo com o saque sem serem vistos.
Chegados a Veneza foram recebidos com grandes festejos pelo bispo, pelo doge e por toda a população. Posteriormente foi edificada a basílica para acolher o que trouxeram.
O interior da Basílica de São Marcos é rico em elementos sobre esta história. Um dos mosaicos mostra o momento de abertura dos pilares, em cujo interior haviam sido escondidas as relíquias que se pensavam perdidas. Na imagem, estão presentes os sacerdotes, o doge e homens e mulheres elegantemente vestidos e engalanados com joias e ricos ornamentos. Como as relíquias foram recuperadas no dia 25 de junho de 1 094, ainda hoje se comemora esse dia em Veneza com um feriado.
Durante a construção da Basílica de São Marcos, no século XI, as relíquias do santo foram escondidas num local secreto, apenas conhecido pelo doge e pelos sacerdotes mais importantes. Após a agitação final do mandato de Domenico Selvo, em 1 084, o local secreto não foi revelado ao novo doge, e só depois de grandes jejuns e preces levados a cabo durante o mandato do doge Vitale Falier, com a participação de todo o povo veneziano, é que as relíquias foram encontradas, escondidas num pilar da nave lateral sul. O local está assinalado com uma lápide de mármore.

*Nos primeiros anos da república, o sistema político veneziano funcionava como uma autocracia, com o Doge (do latim dux) como o governante absoluto.
O cargo era uma das reminiscências do Império Bizantino e simbolizava a autonomia da república.

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