Quando pensei no tema que iria apresentar aos estimados leitores neste mês de Novembro, aflorou ao meu espírito a proximidade do Natal e as comemorações dessa época na sociedade portuguesa.
Pouco haverá a acrescentar, pois tudo já foi dito acerca das tradições religiosas que um por todo o Mundo suscitam várias interpretações e práticas, mas mesmo assim arrisco, pois creio que nunca é demais falarmos da família, da solidariedade, da partilha de riqueza e do culto do desapego.
Independentemente da localização geográfica, do país de pertença, da religião (que se pratica ou não) ou das possibilidades económicas de cada ser humano, todos sentimos que o Natal é uma época do ano onde se percepciona uma maior sensibilidade para com o próximo.
Na Humanidade existem muitas diferenças sociais, económicas e religiosas, mas apesar de todas essas evidências, é no Natal que se respira um ar diferente – pese a crescente visibilidade das clivagens preexistentes, pois é no Natal que assistimos a um certo consumismo desenfreado de bens que mais das vezes são supérfluos.
Nalgumas sociedades o capitalismo selvagem instalou-se de forma galopante, tudo se adquire só para exibir, para mostrar ao outro que se tem melhor, não pensando qual a utilidade concreta deste ou daquele objecto, o que é preciso é adquiri-lo a todo o custo porque está na moda ou na crista da onda.
Aliás, na sociedade portuguesa actual – onde a clivagem entre ricos e pobres é das mais acentuadas na Europa – os contrastes são de tal modo que coexistem cada vez mais situações de ostentação com situações de pobreza extrema.
Em Portugal os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), utilizando o Índice de Gini (o indicador mais usado para medir a desigualdade dos rendimentos), mostram que e a diferença de rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres diminuiu em 2012 face ao ano anterior1.
Mas os portugueses mais atingidos pelas medidas de austeridade destes últimos quatro anos foram os que têm rendimentos mais iguais nos escalões intermédios, mas que ficaram cada vez mais distantes uns dos outros nas extremidades, ou seja, entre os muito ricos e os muito pobres.
Este cenário do crescente aumento do número de pessoas em risco de pobreza é medido através do “indicador de privação material”2, que em 2013 atingiu números preocupantes.
À laia de reflexão, a pergunta que me parece oportuna nesta época pré-natalícia de 2014, é a seguinte: – será que queremos que Portugal se transforme cada vez mais numa sociedade de contrastes violentos, onde alguns detêm um enorme poder económico, ou será que queremos uma sociedade mais equilibrada e igualitária, onde todos tenham o suficiente para sobreviver com dignidade, onde exista uma maior equidade no acesso ao trabalho, aos bens essenciais, à informação e ao saber?
A resposta estará certamente no íntimo de cada um de nós e no modo como agimos e pensamos, quer na nossa vida privada, quer na esfera pública.
(Endnotes)
1 O índice de Gini calcula-se como um rácio das áreas no diagrama da curva de Lorenz. Se a área entre a linha de perfeita igualdade e a curva de Lorenz é A, e a área abaixo da curva de Lorenz é B, então o índice de Gini é igual a A/(A+B).
Este quociente é expresso como percentagem ou como equivalente numérico dessa percentagem, que é sempre um número entre 0 e 1.
2 “O indicador geral de privação material baseia-se num conjunto de nove itens representativos das necessidades económicas e de bens duráveis das famílias, considerando-se em privação material todos os indivíduos em que não existe acesso a pelo menos três daqueles itens.”
Fonte: Observatório das Desigualdades