“No locutório já nem nos damos conta que existem grades…”

Bodas de ouro de vida religiosa da Madre Prioresa do Carmelo da Guarda

No dia 18 de Outubro, a Madre Prioresa do Carmelo da Guarda, Irmã Teresa de Jesus, natural dos Açores, celebra 50 anos de Vida Religiosa como Carmelita Descalça. Para assinalar a efeméride haverá a celebração da Missa que será presidida por Dom Manuel Felício. No mesmo dia, o Carmelo da Guarda também dá início às comemorações do V Centenário do Nascimento de Santa Teresa de Jesus, Fundadora das Carmelitas Descalças e Doutora da Igreja.
A Guarda: A Irmã Teresa de Jesus, Madre Prioresa do Carmelo da Guarda, celebra 50 anos de Vida Religiosa como Carmelita Descalça. Como explica esta entrega a Deus?

Irmã Teresa de Jesus: Como pode imaginar, pelas minhas próprias forças eu não conseguiria nenhuma entrega e muito menos durante 50 anos! Isto só pode ser Dom de Deus! Só o Amor Infinito que Ele me tem, pode dar novidade a uma vida aparentemente sempre igual e «inútil». Na verdade na medida em que a liberdade interior cresce, vejo cada vez mais horizontes amplos que me lançam para o Infinito…não me arrependo de ter vindo…atrevo-me a dizer que me saiu a sorte grande…

A Guarda: O que recorda da sua infância, dos lugares onde aprendeu a brincar e a crescer?

Irmã Teresa de Jesus: O ambiente familiar muito cristão – a minha mãe era de Missa e Comunhão diária – o convívio com os meus irmãos – éramos 8 –  apesar das diferenças de idade. Quando aprendi a ler – o meu atrativo pela leitura; as representações teatrais. Gostava muito de cozinhar, de andar de barco…de nadar… de passear. Apesar de me considerar pacata, era alegre. Fui uma criança feliz rodeada de carinho, de muito carinho e de bons exemplos.

A Guarda: O que a levou a deixar tudo para trás e a entrar num Mosteiro de Clausura?

Irmã Teresa de Jesus: Só DEUS é o motivo de haver deixado tudo. É um Dom do Seu Amor Infinito por mim. Senti que Deus me chamava para este estilo de vida e entrei sem pensar em mais nada, nem no que deixava, nem no que ia encontrar… Vim apenas atraída por JESUS, apesar de sentir o sofrimento familiar mas não a sua oposição.

A Guarda: Como é que explica aos jovens de hoje que também se pode viver feliz e alegre fechada num Mosteiro?

Irmã Teresa de Jesus: Não se explica por si mesmo e muito menos com teorias. Se a nossa vida impacta por ser radical e contrasta abertamente com as formas habituais de vida cristã quanto mais ainda não será em relação aos “valores” sociais e culturais predominantes? Este contraste confere uma aparência de anti-cultura. Daqui surge o profetismo: Testemunhamos o único valor absoluto – Deus, e a nossa consequente vida futura. Isto é um Dom…nenhuma de nós tinha pensado vir…mas quando Deus nos toca…há que fazer opções.
Para a mentalidade atual só tem valor o que dá lucro, o que se vê, o que se faz…a Vocação é uma questão de fé…que vou eu explicar? O segredo está na relação pessoal com Jesus Cristo, consequência do chamamento que fez a cada uma.
Fala-me de vivermos «fechadas» num Mosteiro… As pessoas quando vêm a 1ª vez ao nosso Locutório fazem-nos muitas vezes a mesma pergunta: “As Irmãs não se sentem «fechadas»?” Na verdade…no locutório já nem nos damos conta que existem grades… Um dia veio um grupo de jovens ao nosso Carmelo. Depois de alguma conversa um deles terminou por dizer o seguinte: «As irmãs que estão “aí dentro” são mais livres do que eu que estou “aqui fora”». Isto já diz tudo…A liberdade interior diante das coisas e das realidades visíveis ou mundanas é um Dom que a própria vocação nos oferece e um dos sinais dessa liberdade é a alegria. Só com esta liberdade podemos viver o projeto que Deus tem para cada uma, como Carmelitas Descalças!
Materialmente o nosso espaço é amplo e belo…pode ver o nosso pequeno filme de 50 minutos no Youtube «Pés descalços para o infinito – Carmelo da Guarda”.

A Guarda: Como é que se vive dentro de um Mosteiro de Clausura?

Irmã Teresa de Jesus: Vivemos naturalmente a nossa vocação, com grande liberdade interior e com muita alegria. Temos as nossas dificuldades, como todas as pessoas. Mas o centro de atenção, o que polariza o nosso coração é cada vez mais o grande Amor que nos levou a deixar tudo e vir. O contacto assíduo com ELE e a amizade sincera no convívio com as irmãs, tendem a dar-nos uma serenidade crescente e um desprendimento grande. Só temos um ÚNICO projeto de Vida: Seguir a Cristo. Este seguimento sem atenuantes, próprio de uma Vida integralmente contemplativa, é a nossa «profissão permanente». Quando outras «profissões», tarefas ou preocupações passam a ser dominantes chega-se inevitavelmente à crise de identidade e então aqui podem começar os problemas. Por isso, não importa muito o que cada uma faz, os cargos que se possa ter no seio da Comunidade, o que importa é como cada uma vive esta relação de amizade com Cristo que, na nossa vida é carisma legado por Santa Teresa de Jesus. É este estilo de relação com Cristo que dá o sentido justo da nossa vida e lugar na Igreja. Santa Teresa de Jesus de Ávila – Fundadora do Carmelo Descalço – não definiu, a oração como «Estar muitas vezes,  a sós,  tratando de amizade com quem sabemos nos ama”? A Amizade só pode existir entre pessoas…

A Guarda: Como é que se celebram 50 anos de Vida Religiosa como Carmelita Descalça?

Irmã Teresa de Jesus: O DIA deveria ser precedido de 8 dias completos de Retiro no nosso deserto – este deserto pode vê-lo no nosso filme – mas, por razões alheias à minha vontade não me será possível fazê-lo, mas depois fa-lo-ei a seu tempo. No próprio dia teremos a Eucaristia de ação de graças às 15.30 horas presidida pelo Senhor Dom Manuel, a presença de alguns Carmelitas Descalços – digo “alguns” porque é impossível virem mais, já que nessa data estará a decorrer em Fátima na Domus Carmeli o “Congresso da Mística Carmelitana” – assim como de Sacerdotes amigos e da Diocese, da minha família – que é numerosa – e de bons amigos do Carmelo. Mas o que eu quero salientar é sobretudo a presença, o carinho e a amizade das minhas Irmãs de Comunidade.
Este dia, para mim é muito significativo…nunca me arrependi de me ter entregado ao que o Senhor quis de mim!

A Guarda: Qual a sua ideia sobre as pessoas e a cidade da Guarda?

Irmã Teresa de Jesus: Desde que viemos a generosidade das pessoas para connosco sempre nos impressionou muito, assim como a sua amizade. Quando viemos para esta fundação, o Cardeal Eduardo Pirónio, grande amigo nosso e cujo processo já foi introduzido para a sua Canonização dizia à Nossa Madre Maria das Mercês – que também já partiu para o Pai – que aquilo de que a Guarda tem 3 «f’s»: «farta, fria e feia», com a nossa vinda  «tornar-se-ia «formosa, fecunda e feliz!»  e é assim que a vemos.

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