Entrevista: Carlos Jacob, autor do livro “Missão em África: Lançar sementes, colher sorrisos…”
de textos escritos, em Moçambique”O padre Carlos Jacob é natural de Aldeia Viçosa, concelho da Guarda, onde fez o ensino primário. Ingressou, após o exame da 4ª classe, no Seminário dos Missionários de S. João Baptista, em Gouveia. Concluído o ensino secundário fez o noviciado na Alemanha e depois dum ano regressou a Portugal onde se matriculou na Universidade Católica. Interrompeu, por um ano, os estudos para fazer um estágio como formador, no Seminário. Regressou à Universidade Católica, em Lisboa e concluiu a licenciatura em teologia. Fez ainda um ano de mestrado em pastoral e foi enviado para Gouveia a fim de fazer parte da equipa formadora. Passados dois anos foi capelão militar em Santa Margarida e em Castelo Branco. Regressou a Gouveia e continuou na formação, pastoral vocacional e paroquial. Em 1998 partiu para Moçambique onde permaneceu até 2011. Voltou para Portugal e de novo a Gouveia, onde se encontra.
Gosta muito de ler. Não perde um jogo do Benfica, na televisão e quando tem mais tempo um bom filme. De vez em quando, vai pescar. A apicultura e a agropecuária são também actividades que lhe ocupam algum do seu tempo.
A GUARDA: O que é que levou o missionário Carlos Jacob a escrever “Missão em África: Lançar sementes, colher sorrisos…”?
Carlos Jacob: “Missão em África: Lançar sementes, colher sorrisos…” é uma coletânea de textos escritos, em Moçambique, e mais concretamente na Missão de S. João Baptista do Marrere, Arquidiocese de Nampula, Moçambique. Dei-me conta, muito cedo, da necessidade de pôr por escrito as vivências, os testemunhos, as histórias, as reflexões… São, por isso, um arco-íris de esperança numa vida em missão. Pretende ser, também, um memorial dos muitos protagonistas de evangelização com quem partilhei a causa evangélica.
A GUARDA: De forma resumida, quais as principais ideias que apresenta neste livro?
Carlos Jacob: O livro não tem uma estrutura literária e muito menos pretensões formativas, históricas, culturais, teológicas, eclesiais… É um manancial de partilha de tantas circunstâncias da vida duma Missão, em África.
Pela aceitação que teve o primeiro livro “Missão em África: marcas duma caminhada”, centrado na Missão de Nossa Senhora das Graças em Murrupula, quis, com este, vivenciar uma experiência diferente em lugares e contextos bem díspares. Fazer um hino pintado de palavras e fotos da terra vermelha africana regada pelo sangue de tantos mártires que fizeram da sua vida anónima um grito de esperança.
A GUARDA: Quando e onde vai apresentar o livro “Missão em África: Lançar sementes, colher sorrisos…”?
Carlos Jacob: Esta obra será lançada neste mês, no dia 27, pelas 15.00 horas, no pavilhão do Seminário dos Missionários de S. João Baptista, em Gouveia. Foram-me propostos outros lugares, até mais mediáticos, mas pelo valor afectivo desta “casa mãe” e desta cidade de Gouveia, achei, por bem, que o evento fosse no Seminário que me formou e onde tenho desempenhado vários serviços.
A GUARDA: A Caixa Geral de Depósitos apoia Moçambique através do patrocínio a este livro, cujas receitas revertem para as obras dos Missionários de São João Baptista. Como é que apareceu esta parceria?
Carlos Jacob: É uma longa história. Muito sucintamente direi que tive o privilégio de conhecer o Dr. Paulo Macedo, antes da minha ida para Moçambique. Partilhamos, por diversas ocasiões, vários eventos e reflexões. Depois, como participou em muitas iniciativas solidárias, achei que o deveria convidar para escrever a introdução. Posteriormente, surgiu a ideia de patrocinar o livro, face aos projectos que os Missionários de S. João Baptista desenvolvem em Moçambique. Claro que esta sua colaboração e da instituição que dirige, só engrandece esta obra. Agradeço, desde já, toda a gratidão recebida ao longo destes anos por tantos benfeitores que fizeram dos meus sonhos uma realidade nesta arte de ser semeador.
A GUARDA: O que é que tanto o fascina em África?
Carlos Jacob: África é um mistério. É verdade que continua a ser um Continente esquecido! A maior parte das pessoas têm até uma ideia negativa de África, pelas piores razões: guerras, fome, corrupção, incompetência, preguiça, imoralidade, tráficos, injustiças… Mas, os que tiveram o privilégio de lá viver, dão-se conta que as pessoas, as paisagens, os cheiros, os ritmos, as cores, os gestos… apaixonam. Há uma envolvência que nos seduz e que nos prende profundamente. Como missionário vivi em contextos de pobreza absoluta, em situações de risco, de doenças, mas nunca perdi o entusiasmo e, sobretudo, a vontade de inverter o ciclo de morte, de miséria e de pobreza em que se vive. Aliás, penso que um missionário tem que ser alguém totalmente disponível, que se dá na totalidade, mas com uma capacidade enorme de ser um mensageiro de boas novas. Para além disso, tive o privilégio de trabalhar numa Igreja ministerial, onde os leigos assumem um papel preponderante. São eles os verdadeiros agentes de evangelização, de desenvolvimento e de promoção. Os missionários são apenas companheiros dessa missão, aliando a sua acção evangelizadora, à socio-caritativa, formativa e de progresso.
A GUARDA: Como missionário quais os principais desafios com que se debateu na passagem por África?
Carlos Jacob: Foram muitos os desafios. No inicio, tive que me inculturar num mundo bem diferente deste. As desigualdades entre os dois hemisférios são gritantes. Não estava preparado para a diferença que fui encontrar. Vivi, nos primeiros dez anos, sem eletricidade, sem telefone, sem água canalizada… longe da cidade de Nampula que dista quase 100kms. No interior profundo de Moçambique tive que começar do zero. O clima, a alimentação, a língua, as distancias, os ritos, ritmos… tudo era estranho. Deixei-me conduzir como criança que tudo quer aprender e desfrutar num fôlego. Fui iluminado pelo céu estrelado e pelo luar. Senti o cheiro a terra e comunguei a dor de quem sofre. Arregacei as mangas e abri caminhos novos. Cruzei-me com muita gente e a todos procurei deixar marcas evangélicas do amor universal. Os dias eram vividos com tantas surpresas nesta arte de dar e receber. Fui pequeno para tantos ensinamentos. De qualquer forma, os desafios de adaptação deram lugar, por conseguinte, ao de construção, de mudança, de desenvolvimento, de formação. Mais do que as obras, igrejas, capelas, hospitais, escolas, jardins-de-infância, a grande preocupação foi a de tornar o evangelho vida nas pessoas e de ser um irmão entre eles.
A GUARDA: Neste Ano Missionário quais os projectos orientados pelos missionários de S. João Baptista que gostava de ver concretizados?
Carlos Jacob: A nossa presença missionária em Moçambique contínua e, felizmente, alargada. A Missão do Marrere com as apostas na área da evangelização, da saúde, da educação e na promoção humana, precisa de mais recursos humanos e de meios para dar resposta aos desafios que vão surgindo. O Hospital com 150 camas, com consulta de cerca de 350 doentes, tem apenas 5 médicos. Há falta de medicamentos, de meios de diagnóstico, de comida… Desde 2008 que oferecemos o jantar a todos os doentes internados. Nem sempre é fácil continuar este projecto! A Escola da Missão tem cerca de 1200 alunos. Nem todos têm cadeiras, cadernos, livros, material didático… Gostaríamos de construir mais salas, pois há uma procura enorme pelo ensino, pois são ferramentas para sair da pobreza e desenvolver o país. Temos um lar com 120 rapazes órfãos ou de famílias carenciadas e a dieta alimentar é muito fraca e pouco abundante e variada. Não há recursos financeiros suficientes e o milagre da multiplicação acontece tantas vezes. Temos uma escola com o ensino pré-primário e primário a necessitar dum crescimento em infra-estruturas e de apoio directo para que possam ter ensino gratuito, alimentação, vestuário. A este propósito os professores de Educação Moral Religiosa Católica, da nossa diocese d Guarda, lançaram, este ano, a campanha “Um sorriso para Nampula”. Agradeço e espero que tenha muito sucesso para que as nossas crianças e jovens possam ter uma visão mais humana e cristã do mundo.
Continuamos a abrir furos artesianos. Muitas das comunidades rurais já o têm, mas faltam ainda algumas. É uma forma de cuidar pela saúde das pessoas, de lutar contra o abandono escolar das raparigas, porque assim deixam de percorrer enormes distâncias à procura da água.
Há, de facto, uma panóplia de sonhos. O próprio livro servirá para financiar alguns destes projectos mais prementes.