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Entrevista: Paulo Figueiró – Capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda

“Ninguém duvida da bondade de quem visita um doente, por exemplo, mas não se vê do mesmo modo a visita a um preso”

O Padre Paulo Figueiró, Capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda, é natural de Avelãs de Ambom, Guarda. É Reitor do Seminário da Guarda, Director da Casa Sacerdotal e do Pré- Seminário e Capelão do Carmelo da Santíssima Trindade.
Nos tempos livres gosta de ler, conviver com os amigos, ver algum jogo de futebol e estar na aldeia.

A GUARDA: O que é o que faz um capelão de um estabelecimento prisional?

Paulo Figueiró: O modo mais simples de explicar a missão do capelão de um estabelecimento prisional é compará-la com a missão mais comum de um pároco. Um pároco é um padre responsável por uma paróquia e uma paróquia está sempre relacionada com um território, uma localidade. Um capelão, seja de um estabelecimento prisional, de um hospital, ou no exército, é responsável por uma comunidade cujas pessoas estão a viver uma circunstância comum: serviço a um país, falta de saúde ou, no caso da prisão, pessoas privadas de liberdade. Então, num estabelecimento prisional, com as suas particularidades, sou chamado a fazer algo parecido ao que faz um pároco: procuro criar relação de proximidade com as pessoas que estão presas ou ali trabalham, anunciar o Evangelho de Jesus, celebrar os sacramentos, aqui sobretudo a Eucaristia de domingo e a Confissão; durante a semana visito e estou disponível para escutar quem quiser falar comigo, e coloco-me à disposição para ajudar no modo que me for possível.

A GUARDA: E ser capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda?

Paulo Figueiró: Ser capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda é desempenhar uma missão que naturalmente me foi pedida pelo meu bispo e que eu aceitei, como outras, em espírito de fé, isto é, acreditando que é Deus que me envia. A particularidade de ser capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda é a proximidade quase afetiva a esta instituição. Explico-me. A assistência espiritual na prisão sempre me lembro de estar confiada aos padres formadores no Seminário da Guarda, onde por isso fui algumas vezes já enquanto seminarista e onde agora estou. Por tudo isto o estabelecimento prisional não me é um lugar estranho. E desde que abriu a extensão feminina no antigo Instituto de Reinserção Social, em Cavadoude, vou a um lugar próximo da minha terra natal, onde os meus irmãos deram aulas e num edifício que já foi seminário! E com o passar do tempo vai-se criando à vontade e familiaridade com as pessoas, quer com os presos, quer com guardas prisionais, funcionários, etc.

A GUARDA: Há quanto tempo e como desempenha estas funções?

Paulo Figueiró: Sou capelão há seis anos. Por essa altura foi quando abriu a extensão feminina em Cavadoude e, por isso, na prática, sou capelão em duas prisões. Como desempenho outras funções na diocese, nem sempre consigo ter a disponibilidade que gostaria mas, dentro do possível, como referi anteriormente, celebro missa dominical nas duas cadeias e procuro reservar um dia na semana para visitar os presos, escutar, confessar…

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A GUARDA: Quais os desafios com que se debate como capelão do Estabelecimento Prisional da Guarda?

Paulo Figueiró: Já referi que gostaria de ter maior disponibilidade para dar mais tempo às pessoas que ali estão. Outro desafio está relacionado com colaboradores. Sempre houve voluntários e colaboradores, pessoas que aprendi a admirar por terem uma generosidade extraordinária no sentido de disponibilizarem o seu tempo, os seus dons, para ajudarem, até materialmente, quem está na prisão. Com a pandemia deixou de ser possível este serviço de voluntariado, mas tenho uma dívida de gratidão para com estas pessoas e quero o mais breve possível voltar a contar com elas e encontrar outras que possam ajudar. E desejo muito envolver os jovens nesta missão.

A GUARDA: E quais as dificuldades?

Paulo Figueiró: Que ninguém entenda mal o que vou escrever. É uma espécie de desabafo… Visitar os presos faz parte das chamadas obras de misericórdia. Ninguém duvida da bondade de quem visita um doente, por exemplo, mas não se vê do mesmo modo a visita a um preso. Há na sociedade um subtil e generalizado sentimento de superioridade moral, de julgamento, de preconceito: quem ali está merece sofrer, merece estar só, merece um castigo, e visitar ou ajudar um preso, por isso, não parece uma obra de misericórdia nem uma coisa boa que alguém possa ou deva fazer.
Esta dificuldade gera outra. Conheço vários presos que acabaram de cumprir as suas penas e quando saem em liberdade, têm dificuldades em ser inseridos quer na sociedade, no mundo do trabalho, ou até na própria família. Devido ao tal preconceito não assumido, mas real, a sociedade em geral não ajuda nada à reabilitação e reintegração das pessoas que deixam uma cadeia e são muitas as portas que se fecham porque os corações permanecem fechados. Diz-se frequentemente que toda a gente merece uma segunda oportunidade. Quem vive de perto a realidade das prisões, sabe quanto isto está longe de ser verdade no que a um ex-recluso diz respeito.

A GUARDA: São conhecidos os encontros anuais de capelães das cadeias. Para que servem esses encontros?

Paulo Figueiró: Estes encontros servem, antes de mais, para nos conhecermos, nós que temos uma missão comum. Depois é oportunidade para partilhar experiências, o que cada um faz, as dificuldades que experimenta, enfim, para aprendermos uns com os outros.

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A GUARDA: Como é celebrado o Natal no Estabelecimento Prisional da Guarda?

Paulo Figueiró: Se é possível procuro celebrar a Eucaristia de Natal, várias vezes até é o Sr. Bispo que faz questão de celebrar, se não no próprio dia de Natal, na sua proximidade. Faço questão de estar mais presente destes dias porque todos sabemos que viver o Natal sozinho é particularmente doloroso, e a prisão é um local onde a falta da família e a solidão se sente mais intensamente nesta época.

A GUARDA: Podemos dizer que o Menino Jesus também nasce nas prisões?

Paulo Figueiró: Podemos e devemos! Quando era criança tinha uma ideia ‘romântica’ acerca dos pastores de Belém a quem foi anunciado o nascimento do Salvador: os pastores eram para mim o protótipo das pessoas simples, humildes, boas… quando conheci melhor o evangelho e o seu contexto, aprendi que os pastores, na época e no país onde Jesus nasceu, eram, ao contrário, considerados pessoas de má conduta, mentirosos, violentos, viviam à parte da sociedade e que não se deviam misturar com os outros… No fundo, um espelho de como os presos são vistos geralmente. Então, tal como os pastores foram escolhidos pelo Céu, pelos anjos, para serem os primeiros a quem foi anunciado o nascimento de Cristo, assim hoje Jesus, que nasceu para todos, nasce em primeiro lugar para os pastores, isto é, para os presos! Alguém consegue imaginar Jesus a nascer hoje e os anjos anunciarem essa notícia em primeiro lugar numa prisão? Eu imagino! Por isso é especial celebrar o Natal ali, como é especial celebrá-lo num hospital, junto de quem está só, com quem está à margem, no meio dos últimos que para Jesus são os primeiros!

A GUARDA: Que mensagem gostaria de deixar à comunidade do Estabelecimento Prisional da Guarda?

Paulo Figueiró: Quem está preso como quem trabalha numa prisão sabe que aquele é um mundo à parte e posto de parte, um pedaço de mundo conscientemente esquecido. Gostaria de lembrar, sobretudo a quem possa ter cometido algum crime, que o caminho é o arrependimento. Que mesmo quando já não importamos para mais ninguém, continuamos a ser importantes para Deus. Que cada um de nós vale muito mais do que a soma dos seus erros. Que em Jesus é possível recuperar a esperança e um sentido novo para a vida. Que quando vivemos marcados pelo passado e presos à nossa história de pecado, Deus perdoa, alenta, anima, permite olhar em frente. Só Ele é o Redentor, o Salvador, Libertador!

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