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Entrevista: Luís Salomé – Saxofonista e professor de saxofone na Academia de Música de Costa Cabral, no Porto

“O gosto pela música nasceu aos poucos, não cresci numa família de músicos profissionais”

Luís Salomé, Saxofonista e professor de saxofone na Academia de Música de Costa Cabral, no Porto, é natural da Guarda, onde regressa, no dia 26 de Novembro, com a pianista Catarina Trindade para estrear o projeto “Entre mundos: Raízes em colisão”, no Teatro Municipal da Guarda.
Para Luís Salomé a cidade da Guarda continua a ser o lugar da família, da casa, da infância.
Nos tempos livres gosta de passear, ver filmes e ler.

A GUARDA: Quem é Luís Salomé e como nasceu o seu gosto pela música?

Luís Salomé: Sou saxofonista e professor de saxofone na Academia de Música de Costa Cabral, no Porto. Creio que o gosto pela música nasceu aos poucos, não cresci numa família de músicos profissionais, mas esta arte encontrava-se presente com frequência de uma maneira ou de outra, para além disso, ouvia a Banda de Pínzio tocar de vez em quando e o som entusiasmava-me.
Enquanto saxofonista desenvolvo um trabalho regular com a pianista Catarina Trindade. Procuramos, por um lado, dar a conhecer um repertório original para saxofone e piano, por outro, explorar repertório de outros instrumentos e adaptá-lo à nossa formação. Existe também em nós uma vontade de procura de música portuguesa que se adapta à formação e que seja talvez menos conhecida do público e assim, dar-lhe uma voz no panorama atual. Para além deste duo, tenho uma grande ligação à música contemporânea e tenho desenvolvido um trabalho regular de criação com compositores portugueses. Estas relações com os compositores são verdadeiras oficinas musicais onde podemos procurar novos sons e refletir não só sobre a arte dos nossos dias, mas sobre o mundo à nossa volta. É um processo com o qual aprendo muito e que tem vindo a resultar em projetos muito importantes para mim, como foi o caso do Concerto para Saxofone e Orquestra de João Carlos Pinto e as obras de Cândido Lima, Solange Azevedo e Pedro Lima para o projeto “O saxofone inspirado na poesia Guardense”.
Faço parte do Merus Ensemble, um grupo apenas formado por saxofones e que procura igualmente a promoção de repertório português.
De uma forma geral, considero transversal a todos os meus projetos artísticos, a procura de trazer ao público um repertório nosso, que por vezes é esquecido ou mesmo desvalorizado em relação ao repertório da europa central, como francês e alemão; contudo é um repertório com uma grande qualidade e que merece a nossa atenção e reflexão, pois também reflete a nossa herança e património.
Por último, a vontade de transmissão deste gosto pela música e do conhecimento que possa passar aos mais novos tem vindo a crescer em mim, tendo começado a dar aulas no Porto. Mais do que formar instrumentistas, cativa-me desenvolver com os alunos o gosto por ouvir e tocar música, assim como a curiosidade e a criatividade.

A GUARDA: Porquê a escolha do saxofone como instrumento de referência?

Luís Salomé: É uma escolha sem uma razão muito aparente. Mas sem dúvida que quando somos novos é um instrumento que nos prende a atenção pelo som, tanto consegue tocar forte como piano, sons com timbres estridentes que rapidamente se transformam em sons doces, é um instrumento muito versátil. Creio que a primeira vez que vi um saxofone terá sido na Banda Filarmónica de Pínzio e a partir daí foi crescendo o meu interesse pelo instrumento, que ainda hoje me surpreende.

A GUARDA: A Banda Filarmónica de Pínzio e o Conservatório de Música de S. José da Guarda ocupam um lugar especial na sua formação inicial?

Luís Salomé: A Banda Filarmónica de Pínzio foi o início de todo este percurso musical, onde comecei a aprender formação musical com o maestro Luís Mário. Ainda estudei um ano de trombone, pois na banda havia falta de trombonista e existiam instrumentos disponíveis para aprender. Mas ao fim desse ano disse que queria saxofone e depois de algumas aulas de saxofone com o maestro da banda, ingressei no Conservatório de Música de S. José da Guarda. Considero que os professores me foram cativando aos poucos e antes do 10º ano tomei a difícil decisão (porque somos muito novos para uma decisão destas) de seguir música no secundário. Foi nesses três anos que me comecei a dedicar à música com o objetivo de ser saxofonista e tive professores, como o professor Carlos Canhoto (Saxofone), a professora Diana Ferreira (Análises e Técnicas de Composição), o professor Domenico Ricci (Piano), entre outros, que me encaminharam e me mostraram as possibilidades do instrumento e da música, nomeadamente, quando me introduziram à música contemporânea e foi algo que cresceu em mim até aos dias de hoje.

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A GUARDA: Seguiram-se a Universidade do Minho e o Conservatoire Royal de Bruxelles. Como foram estas experiências?

Luís Salomé: A saída para a universidade é sempre um grande passo, especialmente quando implica viver fora da cidade onde nascemos e crescemos, mas fui sempre muito apoiado pela minha família. Descobrir novas pessoas e novas formas de ver a música e a vida é, por um lado, um desafio, mas, ao mesmo tempo, fascinante. Em Braga iniciei projetos e amizades que duram até hoje, como é o caso do Merus Ensemble, impulsionados pelo professor Luís Ribeiro (saxofone) e a forma como geria a classe de saxofones. Devo-lhe muito pelas oportunidades que nos proporcionou de contactarmos com professores estrangeiros, do top mundial, podendo ter aulas com eles, ouvi-los em concerto ou mesmo tocar lado a lado com artistas de renome; e devo-lhe mais ainda pela confiança que desde o início me tentou incutir e que me levou a procurar estudar no estrangeiro, resultando na minha ida para a Bélgica.
Antes de concorrer não conhecia nem o conservatório, nem a cidade, mas sabia que um dos melhores saxofonistas do mundo – Vincent David, por quem eu tinha uma tremenda admiração, seria professor ali. Tinha trabalhado muito durante o verão para preparar a prova de acesso e acabei por ser aceite. Se o salto para Braga tinha sido grande, para Bruxelas foi ainda maior. Na cidade, mas muito no conservatório, coexistiam variadíssimas culturas, e como neste conservatório não havia muitos portugueses, estava constantemente em contacto com belgas, franceses, americanos, sul-coreanos, japoneses e taiwaneses. Estes intercâmbios culturais foram muito enriquecedores, assim como as aulas e projetos com os professores Vincent David e Nicolas Arsenijevic de saxofone e Guy Danel (música de câmara). Para além do rigor e exigência deste ambiente, a importância da definição de uma identidade própria e pessoal enquanto artista começou a tomar forma. Ainda na Bélgica fiz parte de um projeto muito bonito – Belgian Saxophone Choir com quem gravei o CD “Serenade”.

A GUARDA: E agora o Mestrado em Ensino de Música na Universidade do Minho?

Luís Salomé: O Mestrado em ensino foi uma necessidade, por um lado institucional e por outro mais pessoal, de desenvolver ferramentas que nos permitam não apenas dizer se os alunos estão a tocar as notas corretas, esse tipo de trabalho já aprendemos antes. Atualmente, uma das grandes dificuldades de um professor é manter os alunos motivados e com gosto pela música. Num mundo em que tudo se transforma a um ritmo alucinante é difícil manter a atenção numa só atividade. Desta forma, o ingresso neste segundo mestrado procurava aprofundar estas questões da motivação e da aproximação dos alunos às artes e ao seu lado criativo. Embora tenha conseguido desenvolver alguns destes temas, parece-me que a experimentação em sala de aula e a partilha com os colegas de outras disciplinas serão ainda mais importantes neste processo.

A GUARDA: Uma carreira recheada de prémios. Pode falar um pouco destes momentos tão especiais?

Luís Salomé: O mundo da música vive muito dos concursos, como forma de trazer a público a “nata” de determinado núcleo de artistas. Ainda no conservatório comecei a participar por sugestão do meu professor. Obviamente trabalhava muito para chegar a esses concursos o melhor preparado possível, com o objetivo de conquistar prémios e procurar melhorar eu próprio com isso. O primeiro prémio que recebi terá sido no IV Concurso de Sons da Cabral, em Belmonte. Mais tarde, quando já vivia em Braga, conquistei o 2º prémio do Concurso Internacional de Saxofone Buffet Crampon na categoria C e no final da licenciatura o Prémio Santa Cecília. Este último foi particularmente especial, porque era um concurso interno da Universidade do Minho que juntava todos os alunos finalistas do ano em questão e do ano anterior de todos os instrumentos musicais lecionados ali. Ter sido o vencedor desse prémio e ainda para mais tendo apresentado uma obra contemporânea, que muitas vezes não são tão apreciadas pelo júri, deixou-me muito contente e muito motivado para as etapas seguintes. Contudo, à medida que fui crescendo parece-me que o foco se descentralizou dos prémios em si, passou a englobar uma vontade de conhecer novas pessoas e artistas que se encontravam numa situação semelhante e que tinham percursos muito variados, a vontade de um maior contacto com os júris, compostos frequentemente por saxofonistas de grande prestígio, e ainda uma experiência de palco, por um lado pela pressão que representam e por outro pelo detalhe e preparação comparável à de um atleta de alta competição. Esse trabalho pré-concurso foi-me incutido sobretudo em Bruxelas, o professor Vincent David propunha muitos concursos a toda a classe de saxofone e esta estava muito motivada a apresentar-se. Curiosamente muitos membros da classe acabavam por participar nos mesmos concursos sem que daí surgissem atritos, antes pelo contrário. Procurávamos ir juntos e estar juntos, enquanto conhecíamos outros saxofonistas, claro. Igualmente interessante era a preparação dentro do conservatório com os colegas, visto que havia muitas peças que eram as mesmas para todos e assistíamos às aulas uns dos outros, acompanhávamos o processo de cada um e analisávamos as personalidades impressas na interpretação da mesma obra. Creio que estes foram anos de muita aprendizagem não só instrumental – do domínio do saxofone, mas também musical – estava constantemente a ouvir música e a assistir a concertos (a oferta era extremamente vasta em variedade e frequência), e ainda aprendizagem mental – a forma como nos preparamos mentalmente para um concerto ou um concurso é um processo em si, de conhecimento pessoal que qualquer artista deve aprofundar. Há, no entanto, outra parte da preparação mental que implica o estar investido profundamente num concurso e ao mesmo tempo saber lidar com a possibilidade de não chegar à final e de perceber que existem variadíssimas opiniões dos júris sobre aspetos às vezes bastante objetivos (sem falar claro de interesses pessoais dos mesmos, que infelizmente vão existindo).
Participei em vários concursos, nem todos resultaram em prémios, contudo parece-me que todos me foram moldando, obviamente a par de todos os estudos e cursos que realizei, e trouxeram oportunidades de tocar com outros músicos incríveis e realizar outros projetos, como por exemplo a gravação de um CD, que terá lugar no próximo ano. Destaco o 2º prémio no Concours International Leopold Bellan, o 2º prémio Alpen Classica Saxfest Competition, numa região belíssima do norte de Itália, onde realizei posteriormente um concerto; o 1º prémio no Concurso Internacional Alto Minho, o 3º prémio no Concurso Nacional de Interpretação Contemporânea, o 1º prémio no Concurso Internacional de Saxofones “Vitor Santos” e o 1º prémio no Concurso Cidade do Fundão.

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A GUARDA: No dia 26 de Novembro regressa à Guarda, para um concerto no Teatro Municipal. O que vai apresentar?

Luís Salomé: Voltar à Guarda é para mim um enorme prazer e, com a pianista Catarina Trindade, vamos estrear o projeto “Entre mundos: Raízes em colisão”. Este concerto é para nós uma reflexão com o público sobre o espaço da música tradicional no mundo atual, simultaneamente na cultura portuguesa e na francesa. Será que ainda existe lugar para um pensamento tradicionalista e nacionalista num mundo tão globalizado? De que forma interage a música erudita com a música tradicional? Será o património de um país e o reconhecimento do mesmo que levanta fronteiras com os países vizinhos? Ou poderá essa diversidade ser criadora de laços ainda mais fortes?
São algumas das questões que nos colocamos e para as tentar responder, ou eventualmente suscitar outras dúvidas, socorremo-nos de obras de Claude Debussy, Fernando Lopes-Graça, Maurice Ravel, Berta Alves de Sousa, Nadia Boulanger, João Arroyo, entre outros. Com estas obras desenvolve-se uma narrativa musical em torno desta problemática, procurando ao mesmo tempo recordar algumas canções tradicionais já esquecidas, mas mais não posso dizer.

A GUARDA: como olha para o panorama cultural/musical da Guarda?

Luís Salomé: Parece-me que tem vindo a crescer em variedade e intensidade. O Conservatório de Música de S. José da Guarda parece-me ter um papel importante junto das gerações mais novas, para que no futuro procurem uma cada vez maior diversidade cultural e lutem por ela. A importância de abranger todo o território é igualmente relevante e da minha perceção têm vindo a ser feitos esforços neste sentido. Os festivais de música que começam a ter a sua regularidade são sem dúvida um ótimo motor da cultura. Considero necessário no futuro cativar o público para projetos culturais que, à partida possam parecer menos apreciados individualmente, mas que se podem revelar boas surpresas. É importante encontrar essa curiosidade no público que pode despertar interesses e questões muito essenciais para uma sociedade. Em simultâneo, é necessário arriscar numa maior variedade de projetos e continuar a dar voz aos artistas locais.

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