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Entrevista: António Duarte – Pastor na Serra da Estrela

“Os pastores são cada vez mais idosos, a juventude vai toda embora e não fica aí ninguém que queira ter rebanhos”

António Duarte tem 44 anos e é um dos poucos pastores da Serra da Estrela. Natural de Famalicão da Serra casou em Nabais, concelho de Gouveia, onde vive com a mulher e os filhos.

Tem cerca de duas mil ovelhas e, sempre que pode, gosta de participar nas romarias que vão acontecendo na zona da Serra da Estrela, para manter a tradição.

A GUARDA: Há quanto tempo é pastor?

António Duarte: Desde sempre. Desde que me conheço estou habituado a esta vida. O meu pai sempre teve ovelhas e cabras. Foi a minha vida desde pequenino, em Famalicão da Serra. Tivemos sempre gado. Depois que me casei e fui viver para Nabais, no concelho de Gouveia, continuei a gostar deste trabalho.

A GUARDA: Quantas ovelhas tem actualmente o rebanho e quantos pastores são necessários para o guardar?

António Duarte: O nosso rebanho tem mil e oitocentas ovelhas, já é um bom número. As ovelhas gostam da montanha.

Tenho quatro ou cinco pastores, depende da altura do ano, mas também há muitas vedações onde posso guardar as ovelhas.

Também tenho cães Serra da Estrela para guardar as ovelhas.

A GUARDA: Há alguma razão especial para participar nas festas que vão acontecendo na zona da Serra da Estrela, neste caso na Festa de Nossa Senhora do Soito, em Fernão Joanes?

António Duarte: Costumamos levar as ovelhas aos lugares onde há romarias. Já o ano passado vim a Fernão Joanes e este ano voltaram a convidar-me para trazer as ovelhas. É uma tradição antiga e se eu não viesse a tradição já se tinha perdido. Não há aqui mais ninguém que tenha ovelhas.

Na zona de Gouveia também levamos as ovelhas a Arcozelo da Serra, a Vila Franca da Serra. Sempre que é possível gostamos de participar com as ovelhas nas romarias, para que a tradição não desapareça.

A GUARDA: Estar na Senhora do Soito tem algum significado especial?

António Duarte: Teve, então não teve. Nós gostamos disto, está no sangue. Mostrar as ovelhinhas e cumprir a tradição é sempre importante. Isto não devia acabar. Devia haver mais pessoas a participar nestas tradições e a fazer estas actividades. Sei que não é fácil. Para mim estar aqui é um custo muito grande, pois agora tinha lá o gado para tosquiar e fizeram sessenta quilómetros ou mais para vir à romaria da Senhora do Soito.

A GUARDA: Uma outra forma de fazer e recordar a transumância de outros tempos?

António Duarte: Sim, agora é muito diferente. Há muito tempo que os rebanhos da Serra da Estrela deixaram de ir para a zona da Idanha, durante o Inverno. Agora as ovelhas vêm de Gouveia para aqui (Fernão Joanes) e daqui para Gouveia. Fazemos este percurso por causa da largueza dos pastos. Este gado todo lá em baixo é mais complicado. Embora tenha lá pastos, há necessidade de virem para a Serra. Estamos a aumentar o rebanho. Ainda agora criei 250 borregas.

Temos as ovelhas separadas por parques. As ovelhas paridas andam sempre lá na quinta (Nabais) e depois estão divididas em vários lotes, com vários carneiros, por causa da sanguinidade.

O gado também está em lotes para não estragar tanta comida. Estas ovelhas, todas juntas, onde passam destroem tudo.

A GUARDA: Damos conta de que, nesta região, há cada vez menos rebanhos. A pastorícia tem tendência a desaparecer?

António Duarte: Talvez sim. Há muita gente que não quer ter este trabalho, pois tem de ser feito todos os dias, sábado, domingos e feriados. É muito difícil. Os animais precisam que cuidemos deles todos os dias.

A GUARDA: É uma vida muito ocupada?

António Duarte: Sim, temos de estar sempre presentes e disponíveis para cuidar dos animais. Temos de ir todos os dias ver dos animais, não há outra hipótese.

A GUARDA: E a família?

António Duarte: Eles gostam. Foram criados nisto. A minha mulher também é filha de pastor. Quando as mulheres e os filhos não gostam desta vida é mais complicado. Os meus gostam de andar no meio das ovelhas.

A GUARDA: Mas o número de pastores tem diminuído consideravelmente na zona da Serra da Estrela?

António Duarte: Sim, os pastores são cada vez mais idosos, a juventude vai toda embora e não fica aí ninguém que queira ter rebanhos. Há cada vez mais dificuldade em atrair pessoas para esta actividade. Temos poucos apoios. Não há contratos de arrendamento, não há subsídios.

A GUARDA: A presença do rebanho atraiu muitos pastores antigos à romaria da Senhora do Soito para ver as ovelhas?

António Duarte: Sim, é normal. É como nós, quando há alguma coisa, também gostamos de estar presentes e ver as ovelhas dos outros. Faz parte de quem viveu sempre com as ovelhas.

A GUARDA: Gostava de ver mais jovens dedicados à agricultura e à pastorícia?

António Duarte: Sou apaixonado pela agricultura e pelos animais. Era bem que os mais jovens se interessassem pela agricultura e pelos animais. É preciso ter gosto nas coisas. O que custa é começar mas depois tudo se faz e tudo se consegue. Às vezes não é fácil mas temos de nos aguentar como em qualquer outro trabalho.

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