Eleições em tempos de guerra

As duas últimas semanas foram repletas de acontecimentos relevantes e também preocupantes.

Destacaria as eleições em Itália e os desenvolvimentos da guerra da Ucrânia, no terreno e no palco da propaganda política. Vejamos, em separado.
1 – Em Itália assistiu-se a mais um passo em frente da direita radical ou extrema-direita na cena política europeia. Depois das vitórias alcançadas na Hungria, na Polónia e na Suécia e dos avanços ocorridos em França, chegou agora a vez da Itália, a terceira maior economia do euro e a segunda potência industrial da União, também detentora da segunda maior dívida da U.E. Confirmando as sondagens, venceram os “Irmãos (Fratelli) de Itália”, de Giorgia Meloni, na companhia dos restantes partidos coligados: a “Liga” de Mateo Salvini e a “Força Itália”, de Silvio Berlusconi. Destes três partidos coligados, aquele que é tido como sendo o menos à direita é, imagine-se, a Força Itália, de Berlusconi. O Partido Comunista de Enrico Berlinguer, no seu formato “italiano/suave” – tão diferente do nosso velho e ortodoxo PCP – desapareceu praticamente do mapa político de Itália, mais não sendo do que um partido social-democrata, chefiado por um antigo democrata cristão (quem diria?!). Também o Partido Democrata de Enrico Letta, com 19%, teve uma votação muito inferior aos “Fratelli” de Meloni, destacado no primeiro lugar com 26%. Assim será Meloni que vai chefiar o novo governo de Itália. O lema com que se apresentou às eleições foi “Deus, Pátria e Família”, o mesmo de Benito Musolini e do seu partido fascista, bem como da ditadura salazarista, em Portugal. Reminiscências que arrepiam muita gente…
Mesmo assim, a União Europeia pode funcionar como um importante fator de dissuasão para impedir ou limitar eventuais desvios do novo governo relativamente ao respeito pelas suas regras políticas e económicas essenciais. Mas o contrário também tem de ser tomado em atenção. Teresa de Sousa exemplifica: “Paris e Berlim defendem a revisão dos tratados com vista a maior integração, permitindo decisões mais rápidas. Um governo de Meloni nunca o permitirá”.
Acompanhemos por mais um pouco as considerações desta reputada especialista em política europeia:
“Quando a Europa enfrenta uma guerra nas suas fronteiras e quando essa guerra está a abalar a ordem internacional, a resistência das democracias liberais é fundamental. A Itália é, portanto, uma péssima notícia. Se fosse precisa uma prova adicional, bastaria dizer que Pequim e Moscovo foram os primeiros a felicitar a vitória de Giorgia Meloni” – “Público, de 27 de setembro, pág. 5.
Nos tempos de ódio que vivemos desde a invasão da Ucrânia, a única vitória de Putin acaba por se traduzir nos excelentes resultados nas eleições dos partidos de direita radical que têm vencido ou cimentado posições mais sólidas por essa Europa fora. Acabo de saber que, também na Bulgária, venceu a extrema-direita. Ou seja, o modelo das democracias iliberais vai fazendo o seu caminho, para gáudio do Kremlin.
2 – Entretanto, na Guerra da Ucrânia têm-se sucedido desenvolvimentos importantes. No terreno e nos bastidores… No terreno as forças ucranianas tiveram vitórias relevantes e registaram avanços significativos. De 1 a 11 de setembro, a Ucrânia recuperou 5.440 quilómetros quadrados, numa ofensiva relâmpago. E a manobra ofensiva ucraniana prosseguiu sofrendo os russos a mais importante derrota militar desde o início da guerra, com a debandada generalizada dos seus militares no Donbass, nas províncias de Donetsk e do Luhansk. Os ucranianos reconquistaram Izium e Lyman, importante centro estratégico e nó ferroviário muito pretendido. Também em Kherson, as tropas ucranianas tiveram avanços significativos e recuperaram muitas localidades. Em Izium acumulam-se os indícios da prática de crimes de guerra, como já acontecera abundantemente em Bucha. As linhas avançadas das forças invasoras viram-se obrigadas a recuar muitos quilómetros. Até o porta-voz do Ministério da Defesa Russo veio admitir que os ucranianos romperam as linhas de defesa russas. Tem particular significado o facto de, quase em simultâneo com a “anexação” administrativa russa, através dos referendos fantoches, de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporhizhia, os ucranianos terem reconquistado Lyman e muitas dezenas de localidades em várias das regiões “anexadas”, com avanços muito significativos no terreno, bem como em Kharkiv, sendo expectável que esses avanços prossigam, encontrando-se agora na mira dos contra-ataques, entre outros alvos, as cidades de Kremina, Svatove e Severodonetsk.
O nervosismo dos invasores aumenta a olhos vistos à medida em que são conhecidos os desaires no terreno, as muitas baixas dos seus militares, cada vez mais desmotivados, extenuados, desorientados e mal equipados.
Como escreve um especialista, “a guerra contra a Ucrânia é um dos maiores erros estratégicos da História da Rússia e poderá ser a maior ameaça ao poder de Putin e ao regime que lidera há 23 anos (Miguel Monjardino, “O Horizonte Temporal de Putin”, in Expresso, de 30 de setembro, pág. 26).
Em face da humilhação provocada por estas derrotas e das perspetivas militares demasiado sombrias, o ditador do Kremlin quis inverter a situação através de medidas político-propagandísticas. Tudo começou com o seu discurso, profundamente anti-ocidental e agressivo, de 21 de setembro. A evolução do pensamento e dos objetivos do ditador russo revela o endurecimento progressivo da sua linha nacionalista originária, para se situar hoje numa posição crispada e radical de puro ódio ao Ocidente.
Apontado esse alvo concreto, e em face das derrotas militares no terreno, Putin decretou duas medidas extremas: a realização imediata de referendos nos territórios ocupados ou controlados, em Luhansk, Donestsk, Kherson e Zaporizia, para os tornar partes da Rússia, e ainda a mobilização de trezentos mil reservistas civis, recrutados em regiões rurais e em aldeias remotas. Apesar do cuidado em evitar criar o pânico entre os jovens de Moscovo e de São Petersburgo, esta mobilização está a pôr à prova os limites de tolerância da sociedade russa e desencadeou uma corrida dramática para fora das fronteiras russas. Filas de largos quilómetros, provocaram nelas engarrafamentos monumentais de fugitivos a tentaram encontrar uma saída que os livrasse da integração nas fileiras em presença na frente de combate, condenadas a morte muito provável por impreparação e descrença. Cerca de 260 mil russos terão saído nos dias seguintes ao decreto de mobilização, numa atrapalhação semelhante à dos refugiados ucranianos, meses atrás… Os referendos, esses, ficam selados como a mais despudorada violação dos princípios da liberdade e do sigilo de e no voto.
O que nos anima, porém, como uma luz de ascendente Esperança é que, contrariando a propaganda e afrontando a repressão, já se ouve a voz desse povo heróico, que também é o russo, a levantar-se gritando “Justiça” e “Liberdade”!
Lisboa, 6 de outubro de 2022

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