Viagens ao reino de Clio
Dom João III, sucessor do rei D. Manuel, foi coroado em Lisboa, no dia 19 de dezembro de 1521. O seu reinado proporcionou um importante impulso na empresa dos descobrimentos, o que herdou do seu antecessor, mas ficou também marcado pela ação diplomática, particularmente junto da Santa Sé, pelo incremento da política absolutista e pelo incentivo à cultura nacional.
Na expansão portuguesa, procurou consolidar as posições a oriente, nomeadamente na Índia, para assegurar o monopólio do comércio das especiarias, mas alcançou mais além: a China e o Japão. Por outro lado, promoveu uma política de abandono das praças portugueses do norte de África, para empenhar o máximo dos recursos no comércio com o oriente e iniciar o aproveitamento das potencialidades do Brasil, o que os portugueses ainda não tinham começado.
Promoveu uma política de contactos comerciais com o leste da Europa, aproveitando o domínio do comércio marítimo e iniciou a evangelização das terras descobertas, no oriente, Brasil e África. Esta missão foi confiada à Companhia de Jesus, cujos homens também eram conhecidos por Jesuítas.
Na cultura, incentivou e apoiou nomes como Damião de Góis, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, André de Resende, João de Barros, Pedro Nunes, António de Holanda e Luís de Camões, que constituíram uma das épocas de ouro da produção cultural portuguesa.
Também ficou conhecido pela instituição do Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Tribunal da Inquisição, que viria a deixar más recordações na História de Portugal.
Para comemorar a sua coroação, Gil Vicente dedicou-lhe o seguinte texto:
“Dezanove de Dezembro
Perto do Natal,
Na cidade de Lisboa
Mui nobre e sempre leal.
Foi levantado por Rei
Dos reinos de Portugal
O Príncipe Dom João,
Príncipe angelical.
Saiu numa faca branca,
Parecia de cristal,
Guarnecida de maneira
Que não se viu sua igual.(…)”
O ano em que o novo rei tomou posse ficou marcado por um período de fome e de seca. O cronista-mor do reino, Francisco de Andrada, descreve o que sucedeu: “Neste ano, por falta de água e pela secura do tempo foi em toda a Espanha tão excessiva a esterilidade que nem os campos nem as árvores acudiam com seus costumados frutos e os gados também por falta dos pastos se perdiam de todo, com que a fome veio a ser de maneira que causava em todos um espanto geral, e quase desesperação, porque nem a indústria dos pobres nem a abastança dos ricos bastava para lhe dar qualquer remédio. Por onde a uns e a outros era necessário valerem-se de raízes desconhecidas, e mantimentos desacostumados e prejudiciais à saúde, os quais juntos ao desvario e desconcerto de tempo causaram estranhas e gravíssimas enfermidades, e mortes desastradas e miseráveis, com perda e total alienação do juízo da maior parte dos que morriam, donde nasceu corromperem-se e infetarem-se os ares e atear-se uma peste tão acesa que nem perdoava aos famintos nem aos abastados. Esta secura e esterilidade de Espanha abrangeu também a África, onde por ser o clima da terra mais quente teve muito maior força que nas outras, e pôs os mouros em tamanho extremo de fome e estreiteza que, em algumas partes, e principalmente em Azamor e Safim, sem armas se vinham entregar aos cristãos, e vender as mulheres e os filhos, e depois a si mesmos por baixíssimos preços, e muitos se entregaram de graça, a quem os sustentasse.”
O comércio das especiarias do oriente, e dos produtos tradicionais portugueses, teve quase sempre como destino o norte da Europa: “São levados cada ano para a Flandres quarenta mil fardos de lã ou sacas, cada um dos quais se vende por vinte ducados de oiro, mais ou menos. Para a Itália e França também vão cerca de vinte mil fardos, dos quais os que se gastam na Itália, por serem de lã mais escolhida, são vendidos a quarenta ou cinquenta ducados de oiro cada um. Seda e panos de seda para França, Itália, Inglaterra e outros países. Outras mercadorias: pastel, vinho, azeite, açúcar, mel, cera, uva passa, figo passa, sal, sabão, laranjas, cidra, romãs, marmelada, azeitonas de conserva, beldroegas, ameixa passa, amêndoa, pinha, castanha, erva-doce, baleia em salmoura e o seu óleo, cortiça, jaspe, alabastro, coral, pele de cabra, peles de muitos animais para enfeites de vestidos, oiro, ferro, aço, estanho, vermelhão, mercúrio e vária fruta cristalizada.”